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Tecnologia

Conduzimos a primeira Toyota Hilux a hidrogénio

Se os elétricos a bateria enfrentam desafios, o que dizer dos fuel cell? Nada que assuste os japoneses e esta Toyota Hilux H2.

Toyota Hilux H2, estrada, frente
© Toyota

Conhecemos a Toyota Hilux H2 (hidrogénio) há pouco mais de meio ano no Fórum Kenshiki — o evento anual onde a Toyota mostra as suas novidades. Mas agora, chega de apresentações, chegou finalmente o momento de a conduzirmos. Ainda não é um modelo de produção, é um protótipo, mas a marca japonesa também quer testar o conceito em condições reais.

Para já, existem apenas 10 protótipos funcionais, todos construídos pela Toyota Motor Manufacturing UK. E todos eles vão enfrentar um intenso programa de testes para validar e evoluir a tecnologia da pilha de combustível a hidrogénio — ou se preferirem, fuel cell.

Cada um destes protótipos vale centenas de milhares de euros e eu tive as chaves de um deles durante uma tarde. Testei-o e às vezes até abusei da «sorte», mas correu tudo bem. O resultado está nas próximas linhas.

Alternativa aos elétricos a bateria

Autonomia, peso e tempo de carregamento. Numa frase, são estes os principais problemas apontados aos veículos elétricos a bateria na atualidade. Três desafios que os veículos fuel cell superam com facilidade, apesar de terem outros, eventualmente mais complexos. Mas já lá vamos…

A Toyota acredita que os fuel cell podem ser uma segunda via aos elétricos na difícil missão de descarbornização do setor dos transportes.

Segundo a marca japonesa, os elétricos não estão em causa. A abordagem da Toyota é sobretudo pragmática: “diferentes necessidades, diferentes tecnologias. Um objetivo: poluir menos”, disse-nos um engenheiro japonês enquanto olhávamos novamente para a Hilux H2 à procura de diferenças para o protótipo que conhecemos há meio ano.

A Toyota não é estranha a esta tecnologia, bem pelo contrário. Já abordámos por diversas vezes os seus projetos neste campo, fosse ao volante do Mirai ou para falar na «caixa de hidrogénio» que a marca japonesa já tem à venda.

Tudo isto, sem esquecer o autocarro fuel cell a hidrogénio, produzido em parceria com a portuguesa Caetano Bus e que também marcou presença nesta apresentação, tendo servido de shuttle para nos levar do local do evento até ao hotel.

Viabilidade da tecnologia encontrada

Apesar de a Toyota ter começado a implementar esta tecnologia em automóveis de passageiros, no entanto, o futuro da tecnologia da célula de combustível a hidrogénio poderá encontrar a sua verdadeira razão de ser nos veículos de mercadorias, sejam ligeiros ou pesados.

A verdade é que o Mirai ou outras propostas similares, como o Hyundai Nexo, por exemplo, estão longe de ser o sucesso esperado. A ausência de uma rede de abastecimento de hidrogénio é, talvez, o maior entrave à disseminação deste tipo de propostas. Para já, os veículos a hidrogénio são apenas uma promessa.

© Toyota A pedreira da JCB, em Ramshorn, serviu de palco para esta primeira experiência ao volante da Hilux a hidrogénio.

Há, no entanto, algumas histórias de sucesso: em cidades como Paris ou a Berlim, podemos encontrar centenas de Mirai a servirem de táxi. Contudo, é nos veículos de mercadorias que parece estar o maior potencial de expansão desta tecnologia, com a pilha de combustível a hidrogénio a responder mais eficazmente às necessidades de descarbonização do setor logístico.

Desde logo oferecem várias vantagens relativamente aos veículos elétricos a bateria com funções idênticas: todo o sistema é mais leve, o que permite ter uma capacidade de carga superior. Ao mesmo tempo, garante autonomias superiores e com tempos de abastecimento praticamente idênticos aos dos motores a combustão.

A Toyota Hilux H2 é um excelente demonstrador desse potencial. Basta referir que o construtor japonês prepara-se para lançar uma Hilux 100% elétrica a baterias na Tailândia e esta terá uma autonomia de cerca 200 km — para não prejudicar a capacidade de carga não podem recorrer a uma bateria maior. A Hilux H2, por outro lado, anuncia até 600 km, prometendo uma capacidade de carga e de reboque equivalente às suas congéneres a combustão.

© Toyota

Claro que para esta tecnologia vingar neste setor continuará a ser crucial ter uma rede de abastecimento abrangente. Para esta parte, o plano da União Europeia de construir uma rede de abastecimento ao longo da TEN-T (Rede Transeuropeia de Transportes), com postos a cada 200 km até 2031, terá de ser cumprido à risca. Em Portugal os planos estão muito atrasados.

Além disso, há quem questione a cadeia do processo para a obtenção do hidrogénio. Apesar de ser um elemento abundante, o hidrogénio nunca está sozinho e a sua separação de outros elementos exige elevadas quantidades de energia. Além disso, a sua armazenagem exige elevadas pressões, o que também aumenta os custos. Mas nesse particular, nunca apostem contra o engenho humano:

A Toyota Hilux H2

Regressando à Toyota Hilux H2 ou FCEV (fuel cell electric vehicle), à primeira vista, parece ser apenas mais uma Hilux. Não fosse a decoração dos protótipos que testámos e passaria despercebida. A «magia» acontece quando espreitamos por debaixo da carroçaria.

© Toyota Onde outrora estava um motor Diesel agora encontramos o sistema fuel cell (onde é gerada a corrente elétrica), sistema de arrefecimento e unidade de controlo. Os tanques de hidrogénio estão entre as longarinas do chassis.

O sistema FCEV é em tudo idêntico ao do Mirai, ainda que os engenheiros da Toyota tenham tido a necessidade de repensar todo o packaging, pois o compartimento dianteiro da pick-up é mais pequeno que o da berlina.

Ao centro do chassis encontramos três depósitos de hidrogénio, em fibra de carbono e capazes de suportar 700 bar (!) de pressão. Estes contêm no total 7,8 kg de hidrogénio. Atrás destes está uma pequena bateria com pouco mais de 1,2 kWh. Sem o sistema fuel cell, seriam necessárias baterias pelos menos 10x maiores para alimentar o motor elétrico.

É precisamente sobre o eixo traseiro que está o motor elétrico com 134 kW (182 cv) e 300 Nm. Sim, esta Hilux a hidrogénio tem apenas duas rodas motrizes. Perguntei a um dos responsáveis do projeto o porquê de ser apenas tração traseira e eles lembraram-me a natureza do projeto: é um protótipo de teste e desenvolvimento.

Até chegarmos a um momento semelhante a algo como esta Hilux chegar a «um stand perto de si» ainda vão ser precisos vários anos, mas quando acontecer, a Hilux H2 será uma Hilux como as outras e, previsivelmente, também terá quatro rodas motrizes.

Além da autonomia prevista de 600 km, não há mais dados sobre performances ou consumos. Uma coisa é certa: não há emissões de gases.

Das interações químicas entre o hidrogénio (H2) e o oxigénio (O) na pilha de combustível o resultado é apenas um: água (H2O). Pura e simplesmente água, que para despejarmos apenas temos de premir um botão.

Contudo, sendo estes protótipos totalmente funcionais, já pudemos ter uma primeira experiência, ainda que breve, ao volante.

Ao volante

A Toyota «desenhou» um percurso na pedreira da JCB, pelo que a maior parte dos poucos quilómetros percorridos foi percorrida sobre terra e gravilha. E para dar algum contexto, primeiro deixaram-me conduzir uma Hilux com motor Diesel (2.8D com 204 cv, tração às quatro rodas e caixa automática) no mesmo percurso. Só depois conduzi a Hilux H2.

© Toyota A facilidade de utilização está em grande destaque. Não há mudanças, não há pedal de embraiagem… esta Hilux H2 é um bom local de trabalho.

O contraste não podia ser maior. São muitas as qualidades da Toyota Hilux, mas refinada não é uma delas. Apesar de a Hilux Diesel ter efetuado o percurso com «uma perna às costas», fui sempre acompanhado pelo ruído do motor.

Convém lembrar que este motor Diesel da Toyota não é o típico motor Diesel europeu, foi pensado para aguentar todo o tipo de «torturas» e em geografias onde o combustível não tem a qualidade que nós conhecemos.

Depois, instalado ao volante da Toyota Hilux H2 e apesar de ser um protótipo de testes, a verdade é que não são precisos muitos metros para constatar e deixar-me surpreender o quão mais refinada é esta versão em relação à Hilux Diesel.

Traseira Toyota Hilux hidrogénio
© Toyota Talvez não devesse ser uma surpresa assim tão grande. Afinal, trata-se de um veículo elétrico.

A Hilux H2 também não teve problemas em efetuar o percurso, mesmo tendo apenas duas rodas motrizes, mas fê-lo com muito mais suavidade, fosse pela ausência de ruído e vibrações, ou pela direção agradavelmente mais leve.

Revelou até ser mais confortável pela capacidade superior de absorção das irregularidades do terreno. Ainda que aqui a responsabilidade tenha de ser atribuída à suspensão traseira, que é distinta das Hilux a combustão: a H2 recorre a um esquema de Dion ao invés de um eixo rígido convencional.

Capacidade todo o terreno? Bem… só temos tração traseira. Sabem o que isso significa, não é? Mas os engenheiros da Toyota estão a trabalhar nisso.

© Toyota Repeti para mim mesmo várias vezes “vai mais devagar Fernando!”. O silêncio reduz a percepção de velocidade.

O futuro da Toyota Hilux H2

A experiência foi breve, mas reveladora. O salto em refinamento surpreende e a performance convence, mas ainda há questões sem resposta (capacidades, TCO, etc). E para as obter vão ser precisos mais alguns anos. Dito isto, não apostaríamos contra a Toyota em entregar um produto final que vai ao encontro das expetativas dos clientes deste tipo de veículos.

© Toyota Ainda sem tração integral. Algo que terá de mudar numa pick-up destas características.

Tendo em conta o que os engenheiros da Toyota disseram neste evento sobre o futuro da sua tecnologia da pilha de combustível a hidrogénio, é provável que a Hilux a hidrogénio que chegue ao mercado no futuro apresente características superiores a vários níveis em relação a este protótipo.

Recorde que a Hilux H2 herdou do Mirai o seu sistema, tendo sido o modelo responsável por introduzir a segunda geração desta tecnologia em 2020. A terceira geração da tecnologia fuel cell do construtor japonês será introduzida em 2026-27 e promete ser energicamente mais densa e eficiente (+20% de autonomia), ao mesmo tempo que será mais barata.

© Toyota A JCB, que produz veículos de trabalho, também está a apostar no hidrogénio para descarbonizar o seu negócio. Ainda que a sua aposta resida no motor a combustão, que usa hidrogénio como combustível.

A Toyota fala numa redução dos custos em 37% para uma produção anual de 100 mil unidades do sistema fuel cell. E de 50% para uma produção anual de 200 mil unidades — seja em automóveis, pick-up, camiões, autocarros ou sistemas estacionários. Recordamos que atualmente, em alguns mercados, o preço do Toyota Mirai ronda os 65 mil euros.

O inimigo é o carbono

Por fim, importa realçar que a tecnologia da pilha de combustível a hidrogénio é apenas uma entre várias para a Toyota atingir a neutralidade carbónica em 2040. Como o construtor já disse inúmeras vezes, o inimigo a abater é o carbono e, segundo a marca, era um péssimo serviço à mobilidade ficar refém de uma só tecnologia. “Temos de nos desafiar e de encontrar caminhos alternativos. A nossa história é feita dessa procura”, disse-nos um dos responsáveis por este projeto.

Recordamos que a Toyota é talvez o construtor que mais tecnologias está a desenvolver para ir ao encontro do objetivo da descarbonização total. Desde a pilha de combustível a hidrogénio (fuel cell) aos elétricos a baterias, passando pela tecnologia híbrida da qual foi pioneira e sem esquecer o «velho» motor de combustão. Afinal, a Toyota acredita que este último pode ser mais mais eficiente e consumir combustíveis mais limpos, como os sintéticos ou também o hidrogénio.

A nossa parte é a mais fácil: esperar para conduzir e validar estas e outras soluções. Esperamos, daqui a poucos anos, ter novamente encontro marcado com esta Toyota Hilux H2. O ambiente agradece.