Clássicos Mercedes-Benz W125. Um recordista de velocidade a 432,7 km/h em 1938

Museu Mercedes-Benz

Mercedes-Benz W125. Um recordista de velocidade a 432,7 km/h em 1938

A história do recorde de velocidade do Mercedes-Benz W125 Rekordwagen em 1938 é uma das mais incríveis de sempre.

Mercedes-Benz W125 Rekordwagen

O Mercedes-Benz W125 Rekordwagen é um dos muitos exemplares que podemos encontrar no Museu Mercedes-Benz, em Estugarda O Museu dispõe de 160 veículos e 1500 objectos expostos, apresentados aos visitantes em dois percursos interligados, que percorrem nove andares com um total de 16 500 m2.

Mas para conhecer em pormenor o Mercedes-Benz W125 vamos ter de recuar mais de 80 anos.

Na época onde nos encontramos, o fascínio pelas máquinas e pela velocidade era louco, apaixonado. Os limites que homem e máquina atingiam, faziam brilhar milhões de olhos por todo o mundo. A tecnologia evoluía a passos largos, neste caso, eram avanços potenciados por pretensões hegemónicas de um ditador.

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Rudolf Caracciola — o “mestre da chuva”

A ainda jovem Mercedes-Benz via nas corridas uma forma de se promover. Caracciola sabia do interesse da marca da estrela em entrar nos Grandes Prémios, mas a Mercedes-Benz tinha optado por não entrar no GP Alemão, cuja estreia seria em 1926 e aguardava pelas corridas em Espanha, que ocorreriam mais tarde nesse ano.

Segundo os responsáveis da marca, trazia muito mais retorno a corrida em Espanha, numa altura em que queriam apostar na exportação.

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Rudolf Caracciola no Mercedes-Benz W125

Caracciola saiu mais cedo do seu emprego e foi a Estugarda pedir um carro para correr no GP Alemão. A Mercedes aceitou com uma condição: ele e outro piloto interessado (Adolf Rosenberger) entrariam na competição como pilotos independentes.

Na manhã de 11 de julho arrancavam a fundo os motores ao sinal da partida no GP da Alemanha, estavam 230 mil pessoas a assistir, era agora ou nunca para Caracciola, estava na altura de dar o salto para o estrelato.

O motor do seu Mercedes decidiu fazer greve e enquanto todos voavam sem cinto pelas curvas do circuito AVUS (Automobil-Verkehrs und Übungsstraße — uma estrada pública localizada no sudoeste de Berlim) Rudolf estava parado.

O seu mecânico e co-piloto, Eugen Salzer, numa luta contra o tempo, saltou fora do carro e empurrou-o até que ele desse sinais de vida — já ia quase um minuto no relógio quando o Mercedes decidiu arrancar e ao mesmo tempo caía um forte temporal no AVUS.

caracciola vence GP em 1926
Caracciola após vitória em GP em 1926

A chuva torrencial estava a levar muitos pilotos a abandonar a corrida, mas Rudolf avançava sem medo e passava-os um a um, subindo na grelha, a uma velocidade média de 135 km/h, o que na altura era considerado incrivelmente rápido.

Rosenberger acabaria por se despistar, embrulhado no nevoeiro e chuva intensa. Sobreviveu, mas embateu contra três pessoas que acabaram por falecer. Rudolf Caracciola não fazia ideia em que lugar estava e a vitória apanhou-o de surpresa — foi baptizado pela imprensa de “Regenmeister”, o “Mestre da Chuva”.

Rudolf Caracciola decidiu aos 14 anos que queria ser piloto e ser piloto de automóveis estava disponível apenas às classes mais altas, Rudolf não via aí entraves ao seu caminho.

Tirou a carta antes da idade legal de 18 anos — o seu plano era ser engenheiro mecânico, mas as vitórias sucediam-se nas pistas e Caracciola afirmava-se como um piloto promissor. Em 1923 foi contratado pela Daimler para ser vendedor e fora desse seu trabalho tinha outro: corria nas pistas ao volante de um Mercedes como piloto oficial e venceu, no seu ano de estreia, 11 provas.

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O Mercedes-Benz W125 com Caracciola ao volante

Em 1930 abria-se o caminho para o jazz e blues, no grande ecrã a Disney estreava a Branca de Neve e os sete anões. Era a era do swing por um lado, por outro a escalada do Nazismo com Hitler à frente dos destinos da poderosa Alemanha.

Na segunda metade de 1930, duas equipas do Grand Prix (que mais tarde, no pós-guerra, evoluiria para Fórmula 1 após o nascimento da FIA) gladiavam-se até à morte nas pistas e estradas públicas — o objetivo era ser o mais rápido, vencer.

Antes do Nürburgring, as corridas eram realizadas na mesma zona, mas em estradas públicas na montanha, sem cintos de segurança e a velocidades perto dos 300 km/h. As vitórias dividiam-se entre dois colossos — Auto Union e Mercedes-Benz.

Mais do que dois gigantes em combate, dois homens que o tempo deve preservar

Dois nomes ecoavam pelo mundo do automobilismo nos anos 30 — Bernd Rosemeyer e Rudolf Caracciola, piloto de equipa de Manfred von Brauchitsch. Bernd corria pela Auto Union e Rudolf pela Mercedes, dividiam pódios atrás de pódios, eram imparáveis.

Irmãos de pátria, inimigos no asfalto, eram pilotos do Grand Prix e os seus carros “cascas de noz” com motores brutais. Nas pistas o desafio era entre um e outro, fora delas, eram as cobaias de um regime focado no domínio de todas as frentes, custe o que custar.

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Rivais: Mercedes-Benz W125 na frente, seguido do Auto Union com enorme V16

Bernd Rosemeyer — protegido de Henrich Himmler, líder da SS

Bernd Rosemeyer pilotou, entre outros, um Auto Union Type C, um automóvel construído na guerra dos quilogramas, com um potente V16 de 6.0 l, pneus de «bicicleta» e travões que tinham mais fé do que poder de travagem.

A partir de 1938, com as restrições ao tamanho dos motores, motivadas pelo elevado número de acidentes que a restrição de peso sem restrição de cilindrada tinha causado, o Auto Union Type D, seu sucessor, tinha um mais «modesto» V12.

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Bernd Rosemeyer, no Auto Union

Após a subida de Bernd ao estrelato do automobilismo e do casamento com a famosa piloto de aviões alemã, Elly Beinhorn, os Rosemeyers eram o casal sensação, dois ícones do poderio alemão nos automóveis e aviação.

Himmler, ao aperceber-se de tal fama, «convida» Bernd Rosemeyer a juntar-se às SS, um golpe de marketing do comandante, que estava à data a erguer uma força-paramilitar que chegaria a ter mais de um milhão de homens. Todos os pilotos alemães eram obrigados também a pertencer à Nacional Socialist Motor Corps, uma força-paramilitar nazi, mas Bernd nunca correu vestido com a indumentária militar.

Crise afasta Mercedes

Caracciola sai da Mercedes em 1931 depois da marca ter abandonado as pistas como consequência da crise. Nesse ano, Rudolf Caracciola tinha-se sagrado primeiro piloto estrangeiro a vencer a famosa prova de longa distância Mille Miglia, ao volante de um Mercedes-Benz SSKL com 300 cv de potência. O piloto alemão começa a correr pela Alfa Romeo.

Em 1933 a Alfa Romeo abandona também as pistas e deixa o piloto sem contrato. Caracciola decide formar a sua própria equipa e em conjunto com Louis Chiron, que tinha sido despedido da Bugatti, compra dois Alfa Romeo 8C, os primeiros carros da Scuderia C.C. (Caracciola-Chiron).

No Circuito do Mónaco uma falha de travões atirou o carro de Caracciola contra a parede, e o violento acidente fez com que partisse a perna em sete sítios, mas isso não o demoveu da continuar o seu caminho.

Mille Miglia: Caracciola e o co-piloto Wilhelm Sebastian
Mille Miglia: Caracciola e o co-piloto Wilhelm Sebastian

“Silver Arrows”, uma história de peso em 1934

A Mercedes e a Auto Union — constituída pelos quatro anéis: Audi, DKW, Horch e Wanderer — lideraram todas as tabelas de recordes de tempos e velocidade, muitos deles apenas batidos mais tarde por automóveis bastante mais evoluídos.

Voltaram às pistas em 1933, com a subida ao poder dos nazis. A Alemanha não podia ficar para trás no automobilismo e muito menos perder um piloto alemão para a reforma antecipada. Estava na hora de investir.

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Mercedes-Benz W125, 1938

Foi num dia de duelos entre estes dois titãs que se fez história. Nas pistas, eram as “Silver Arrows”, as flechas prateadas do automobilismo. A alcunha foi acidental, provocada por uma necessidade de reduzir o peso dos carros de competição, cujo limite tinha sido fixado nos 750 kg.

Reza a história que no dia de pesar o novo W25 — o antecessor do Mercedes-Benz W125 — na balança do Nürburgring o ponteiro marcava 751 kg. O diretor da equipa Alfred Neubauer e o piloto Manfred von Brauchitsch, decidiram raspar a pintura do Mercedes, deixando à mostra a cor prateada do alumínio da carroçaria, com vista a reduzir o peso para o máximo permitido. O W25 sem tinta venceu a corrida e nesse dia, nascia a “flecha prateada”.

Fora das pistas, outros carros derivavam dos da competição, os Rekordwagen, carros preparados para bater recordes.

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Mercedes-Benz W125 Rekordwagen

1938 — Recorde era objetivo de Hitler

Em 1938 o ditador alemão reclama para a Alemanha a obrigação de se tornar a nação mais rápida do globo. As atenções viram-se para a Mercedes e Auto Union e os dois pilotos são postos ao serviço dos interesses da nação. O recorde de velocidade tinha de pertencer a um alemão e ao volante de uma potente máquina alemã.

A marca dos anéis e a da estrela puseram mãos à obra, havia que preparar as “Rekordwagen” para baterem o recorde de velocidade numa estrada pública.

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Mercedes-Benz W125 Rekordwagen. Objetivo: bater recordes.

A principal diferença entre os Rekordwagen e os seus irmãos de corrida era o tamanho do motor. Sem as limitações de peso da competição, o Mercedes-Benz W125 Rekordwagen já podia ter um potente V12 de 5.5 l debaixo do capô e uns assustadores 725 cv de potência.

A estrutura aerodinâmica tinha um único propósito: velocidade. O Auto Union contava com um potente V16 com 513 cv de potência. A Mercedes-Benz roubou-lhe o recorde de velocidade numa manhã fria de 28 de janeiro de 1938.

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O dia que perdura: 28 de janeiro de 1938

Numa manhã gelada de inverno as duas construtoras deslocaram-se para a autobahn. Naquela manhã as condições climatéricas eram perfeitas para um dia de recorde e os carros lançaram-se à autobahn A5, entre Frankfurt e Darmstadt. Era um momento para recordar — o “mestre da chuva” e o “cometa prateado” tentavam fazer história.

Mercedes W125 Rekordwagen

O Mercedes-Benz W125 Rekordwagen e o seu radiador especial — um depósito de 500 litros de água e gelo — fizeram-se à estrada. Rudolf Caracciola não estava debaixo de chuva, mas sentia-se um deus, era o seu dia.

Rapidamente a notícia percorreu o paddock e ao início da manhã, a equipa da Mercedes já festejava o recorde atingido: 432,7 km/h. A equipa da Auto Union sabia o que tinha de fazer e Bernd Rosemeyer não queria desiludir o país.

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Auto Union Rekordwagen

Contra todas as indicações Bernd Rosemeyer partiu como uma flecha em direção à reta de um quilómetro. Ia bater o recorde de Rudolf, nem que fosse a última coisa que tentasse fazer na vida… Ao longo da autoestrada técnicos mediam o tempo e distância percorrida — dizem os relatórios que o Auto Union Type C «voava» a caminho de bater a marca de Rudolf.

O relatório metereológico era claro: ventos laterais a partir das 11 horas da manhã, mas as indicações para não correr foram insuficientes e às 11h47 o Auto Union entrou em despiste a mais de 400 km/h.

Dizem os relatos que o V16 da Auto Union esteve mais de 70 m num imparável despiste, capotou duas vezes e depois voou pela autobahn cerca de 150 m. Bernd Rosemeyer foi encontrado morto na berma, sem um único arranhão.

Depois deste dia, nunca mais nenhuma das duas marcas tentou bater o recorde fixado por Caracciola ao volante do Mercedes.

O Mercedes-Benz W125 Rekordwagen no museu da marca da estrela, em Estugarda.

Hoje, 28 de janeiro de 2018 (NDR: à data da publicação deste artigo), celebramos os 80 anos de um recorde batido apenas em 2017 (sim, 79 anos depois) mas também a morte de um grande piloto, ao qual prestamos a devida homenagem.

O Mercedes-Benz W125 Rekordwagen está exposto no Museu da Mercedes-Benz, em Estugarda, onde já podemos ver outro modelo que promete outro tipo de recordes: Mercedes-AMG One.

Nota: A primeira versão deste artigo foi publicada na Razão Automóvel, no dia 28 de janeiro de 2013.

Mercedes-AMG One
Mercedes-AMG One