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O português Carlos Tavares é o diretor executivo da Stellantis. O que esperar do novo gigante automóvel?

A recém-nascida Stellantis tem Carlos Tavares como CEO, que nos deu a conhecer as linhas mestras que orientarão o novo gigante automóvel num futuro cheio de enormes desafios.

Carlos Tavares Stellantis

Na sua primeira conferência de imprensa como o novo e primeiro diretor executivo (CEO) da Stellantis, o português Carlos Tavares deu-nos a conhecer os números do novo gigante automóvel que resultou da fusão entre a FCA (Fiat Chrysler Automobiles) e o Groupe PSA, como as ambições e desafios para os próximos anos.

Comecemos precisamente pelos números. Não é em vão que nos dirigimos à Stellantis como um novo gigante da indústria automóvel, que terá o seu quarter-general em Amesterdão, Holanda.

As forças combinadas dos dois grupos totalizam 14 marcas automóveis, uma presença comercial em mais de 130 mercados, operações industriais em mais de 30 países e mais de 400 mil funcionários (e de mais de 150 nacionalidades).

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Fiat 500C e Peugeot 208
FCA e Groupe PSA: dois grupos muito diferentes, mas que se complementam quase na perfeição.

Na parte financeira, os números combinados não impressionam menos. Se juntássemos os resultados da FCA e Groupe PSA em 2019 — o ano em que anunciaram a fusão — reportaríamos um lucro de 12 mil milhões de euros, uma margem operacional de cerca de 7% e cinco mil milhões de euros em fluxos de caixa — mais uma vez, números de 2019; os de 2020 não foram ainda anunciados e, devido à pandemia, serão previsivelmente inferiores.

Status quo

Agora como Stellantis, passamos a ter um grupo com uma presença muito mais sólida no mundo, ainda que com algumas lacunas por colmatar.

Do lado da FCA, temos uma forte e lucrativa presença na América do Norte e na América Latina (3/4 da receita gerada em 2019 veio desse lado do Atlântico); enquanto no Groupe PSA temos uma Europa como principal protagonista (representou 89% das receitas em 2019), além de possuir as fundações certas (plataformas multi-energias) para lidar com os exigentes regulamentos do “velho continente”.

Ou seja, o Groupe PSA que procurava entrar na América da Norte, consegue-o agora pela porta grande, e são grandes as oportunidades de sinergias na América Latina; e a FCA, que dava os primeiros passos num renovado foco para o reavivar das suas operações europeias nos segmentos de maior volume, passa a ter acesso a hardware mais recente e indicado para os tempos que se avizinham (elétricos e híbridos).

A América do Norte, América Latina e Europa são as três regiões onde a nova Stellantis é mais forte, mas contam ainda com uma presença substancial nas regiões do Médio Oriente e Norte de África. Porém, há uma grande lacuna na Stellantis e esta chama-se China. O maior mercado automóvel do mundo não tem sido sinónimo de sucesso nem para a FCA nem para o Groupe PSA.

Carlos Tavares reconhece os resultados desapontantes na China, mas não significa que tenham desistido deste mercado crucial — bem pelo contrário. Como o próprio avançou, primeiro querem perceber ao certo o que correu mal, tendo sido formado nesse sentido um grupo de trabalho específico que não só vai identificar as causas do insucesso, como vai também delinear uma nova estratégia para que a Stellantis possa também vingar na China.

DS 9 E-TENSE
A DS Automobiles tem sido uma das principais apostas do Groupe PSA na China. Altura de repensar a estratégia?
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Consolidação, consolidação e mais consolidação

Independentemente das lacunas, a verdade é que os dois grupos apresentavam-se robustos à altura do anúncio da fusão em outubro de 2019. Mas a robustez em si não seria suficiente para vingar num futuro que já se discutia aos anos, e muito antes de alguém imaginar que o mundo pararia em 2020 por culpa de um coronavírus.

Peugeot e-208
Na Europa, tem sido p Groupe PSA a apostar forte na eletrificação, com o desenvolvimento de plataformas multi-energias.

A indústria automóvel estava… e está a passar por uma transformação radical que acontece a uma velocidade vertiginosa, acompanhada por custos massivos. Os desafios a ultrapassar chamam-se descarbonização e (obrigatoriamente) eletrificação, mobilidade como serviço, (até) os novos atores com potencial de disrupção (como a Tesla), os veículos autónomos e conectividade (compatibilidade com 5G, por exemplo, já está agenda).

Não admira que Tavares tenha dito que os custos dos automóveis nos próximos 10 anos, também por força dos regulamentos e inovações, possam vir a subir entre 20% e 40%.

Uma situação incomportável, pois com automóveis até 40% mais caros, corre-se um elevado risco de alienar uma importante parte dos consumidores, cujo poder de compra será insuficiente para adquirir esta nova geração de veículos eletrificados e conectados.

Para manter os preços da mobilidade acessíveis a todos ou quase todos, ou os construtores absorvem os custos reduzindo as suas margens (e ao mesmo tempo colocando em causa a sustentabilidade da empresa), ou são precisas soluções alternativas, mais sustentáveis economicamente, que permitam lidar com os elevados custos de desenvolvimento.

Citroën ë-C4 2021

A FCA e o Groupe PSA decidiram fundir-se para melhor enfrentar tão desafiante futuro. É a forma de convergir (e também reduzir) os esforços em investigação e desenvolvimento e diluir esses mesmos custos por mais unidades produzidas/vendidas. Uma fusão que parece, inicialmente, uma “movimentação defensiva”, mas acabará por se tornar numa “movimentação ofensiva”, de acordo com Tavares.

Basta ver a anunciada e várias vezes repetida (ao longo dos últimos 15 meses) redução de custos prevista com esta fusão: mais de cinco mil milhões de euros! Chegar a tão substancial será possível com as sinergias previstas: no desenvolvimento e produção dos veículos em si (40%), nas compras (35%) e nas despesas gerais e administrativas (25%).

No que toca à parte do desenvolvimento e produção de veículos, por exemplo, a poupança será conseguida ao nível do planeamento, desenvolvimento e produção. Aprofundando um pouco mais, esperem no futuro uma convergência de plataformas (multi-energias e exclusivamente elétricas), módulos e sistemas; uma consolidação nos investimentos em motores de combustão interna, eletrificação e outras tecnologias; e ganhos de eficiência nos processos de produção e respetivas ferramentas.

Jeep Grand Cherokee L 2021
Jeep, a marca com maior potencial global de todo o grupo?
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Vão acabar com alguma marca ou fechar alguma fábrica?

Desde o início que tem sido prometido que nenhuma fábrica seria encerrada. Tavares reforçou, por várias vezes, essa promessa nesta primeira conferência da Stellantis, mas o próprio não fechou em definitivo essa porta, pois numa indústria em tão rápida mutação, o que hoje era uma certeza, amanhã já o não será.

Não é só, no entanto, sobre a indústria automóvel. O Brexit, por exemplo, coloca dúvidas sobre o futuro a longo prazo da fábrica de Ellesmere no Reino Unido; também são várias as fábricas (sobretudo europeias) do novo grupo que estão a laborar abaixo da sua capacidade, logo, não estão a ser rentáveis; e estão a acontecer importantes mudanças políticas (eleição de Biden nos EUA, por exemplo) que irão interferir nos planos delineados.

Do possível encerramento de fábricas e, consequentemente, possíveis perdas de postos de trabalho, passamos à complexa tarefa de gerir 14 marcas automóveis sob a mesma cúpula: AbarthAlfa RomeoChryslerCitröenDodgeDS AutomobilesFiat, Fiat Professional, JeepLanciaMaseratiOpel/VauxhallPeugeot e Ram. Será que alguma será encerrada? A pergunta é legítima. Não só são muitas marcas sob o mesmo teto, como são várias as que atuam nos mesmos mercados (sobretudo as europeias) e até competem entre si.

Lancia Ypsilon
Ainda existe, mas por quanto mais tempo?

Teremos de esperar mais umas semanas ou meses para uma resposta mais definitiva, pois são ainda os primeiros dias de vida da Stellantis. Carlos Tavares pouco ou nada adiantou sobre o futuro de cada uma das 14 marcas, mas nunca referiu que alguma delas pudesse encerrar. O foco do novo diretor executivo é, para já, clarificar o posicionamento de cada uma e como Tavares disse: “todas as nossas marcas vão ter uma hipótese”.

No entanto, por mais que tentasse evitar falar delas em particular não o conseguiu totalmente. Por exemplo, a intenção de levar a Peugeot para a América do Norte — já anunciada por diversas vezes nos últimos dois anos — deu um passo atrás, agora que, com a Stellantis, já têm uma presença sólida na região. O foco passa a estar agora nas marcas que já lá estão.

A Opel foi igualmente mencionada por Tavares, antecipando várias novidades para os próximos tempos “com a tecnologia certa” — estaria a referir-se a híbridos e/ou elétricos? Faz todo o sentido que sim. A Alfa Romeo e da Maserati, apesar da performance comercial abaixo das expetativas nos últimos anos, Tavares reconhece o seu elevado valor na estrutura da Stellantis por estarem posicionadas nos segmentos premium e luxo que são, por norma, mais lucrativos que os outros.

Em relação à Fiat (Europa) e ao seu portefólio maioritariamente envelhecido, também é de esperar novidades em passo rápido nos próximos 2-3 anos, para preencher lacunas em segmentos chave.

É de esperar para a Fiat uma abordagem idêntica à que vimos na Opel após ter sido adquirida pelo Groupe PSA, em que rapidamente foi desenvolvido um novo Corsa que foi “emparelhado” com o Peugeot 208. Aquilo que Tavares chama de “carros irmãos” (partilha de plataformas, mecânicas e vários componentes “invisíveis”, mas devidamente diferenciados no aspeto exterior e interior) e que rapidamente deverá suprimir as necessidades da marca italiana.

Fiat 500 3+1
O novo Fiat 500, exclusivamente elétrico, foi uma das poucas novidades absolutas da marca nos últimos anos.
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Em conclusão

Ainda são os primeiros dias da Stellantis. Carlos Tavares, o seu primeiro diretor executivo, pouco ou mais nos poderia dar, por agora, do que os traços gerais sobre o caminho a seguir pela Stellantis em direção a um futuro que parece mais desafiante do que nunca.

Esta fusão entre iguais parece ser clara nas suas motivações: conseguir as sinergias e economias de escala necessárias para garantir a competitividade do (novo) grupo numa indústria automóvel em mutação e, na medida do possível, garantir também uma mobilidade que possa continuar a ser acessível ao maior número possível de pessoas.

Carlos Tavares tem dado provas, ao longo dos tempos, de que é a pessoa certa para o conseguir, ao estar munido das competências adequadas. Mas também é verdade que nunca teve de enfrentar um desafio a uma escala tão grande como a Stellantis.