Notícias Olivier François, CEO da FIAT: “Segmento A dos carros simples vai morrer. Serão substituídos por quadriciclos”

Entrevista

Olivier François, CEO da FIAT: “Segmento A dos carros simples vai morrer. Serão substituídos por quadriciclos”

Falámos com Olivier François, diretor executivo da FIAT, que nos revelou mais detalhes sobre o futuro desta marca, que está a poucos meses de mostrar os planos definitivos para os próximos anos.

Olivier François e o novo Fiat 500

Estamos numa praia em Itália, em Fort Dei Marmi, na região da Toscana, local que a FIAT escolheu para revelar o 500 La Prima By Bocelli, a última versão do citadino da FIAT.

Olivier François, diretor executivo da FIAT, sobe ao palco de óculos escuros espelhados, com o Mediterrâneo como pano de fundo, perante uma plateia composta por centenas de convidados. Ao seu lado está o novo 500.

Este aparato é uma forma de mostrar que a FIAT sabe nadar como ninguém num segmento que revolucionou, ao tornar premium aquilo que (quase) todas as marcas diziam que não queriam.

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Mateo Bocelli, Maestro Andrea Bocelli e Olivier François, diretor executivo da FIAT
Mateo Bocelli (esquerda), Maestro Andrea Bocelli (direita) e Olivier François (centro), diretor executivo da FIAT, durante a apresentação do FIAT 500 La Prima By Bocelli em Fort Dei Marmi.

Depois da apresentação do modelo e de uma curta atuação conjunta de Mateo e Andrea Bocelli, foi a vez da Razão Automóvel subir ao palco para uma conversa marcada com François.

A partir de 2027 só haverá FIAT 100% elétricos

A revelação dos grandes planos para o futuro da FIAT está para breve. Mas há algo que já é certo: a partir de 2027 só vai vender modelos 100% elétricos na Europa.

Uma mudança que começou com o 500, que tem sido muito bem aceite em vários mercados, sendo, nalguns mercados, o 100% elétrico mais vendido — em abril de 2022 foi o mais vendido na Alemanha, França, Itália, Suíça e Luxemburgo, e nesse mês chegou mesmo a ser o elétrico mais vendido da Europa.

Mas o 500, apesar de ser o modelo que mais imagem deu à marca na última década, está longe de representar o futuro no que ao posicionamento da FIAT diz respeito. É um modelo premium, acessível apenas a alguns, longe da mais democrática FIAT que todos conhecemos.

Razão Automóvel (RA): A FIAT sempre foi sinónimo de mobilidade acessível, mas com a eletrificação, os automóveis estão cada vez mais caros…

Olivier François (OF): Estamos comprometidos em tornar a eletrificação acessível. O meu «norte» é o Centoventi. É a minha visão, é para aí que quero ir.

Fiat Centoventi
Revelado em 2019, o FIAT Centoventi (120 em italiano e alusão ao 120.º aniversário da marca celebrado nesse ano), leva-nos a descobrir a visão de Olivier François para o futuro da marca, que será elétrico, altamente personalizável e, mais importante, acessível. © Thom V. Esveld / Razão Automóvel

O ano de 2024 será o início de uma ofensiva e em 2027 será quando acredito que vamos terminar esse trabalho.

Será também a altura de uma evolução na química das baterias. Teremos mais alcance, menos peso e menos custos.

Outros componentes podem subir de preço, mas as baterias não. Também acredito que as infraestruturas vão acompanhar. Esta inflação das matérias-primas creio que será uma fase. Por isso, em 2027 será uma boa altura para um construtor como a FIAT iniciar uma grande ofensiva elétrica.

Olivier François, CEO da FIAT
Olivier François, CEO da FIAT e diretor de marketing global da Stellantis.

Em 2027 teremos uma gama completamente nova, os produtos que existem agora serão todos substituídos por novos modelos completamente elétricos e com um preço compatível com o preço que o cliente FIAT está disposto a pagar hoje por um carro com motor a combustão.

Uma parte deste trabalho será feita pela eletrificação, outra será feita pela FIAT, que terá de encontrar uma forma de oferecer produtos mais competitivos. Há uma abordagem do lado dos custos que teremos de fazer.

Ter ou usar um automóvel?

A par da eletrificação o modelo de negócio está a mudar de forma galopante. “Ter” um automóvel está a ser substituído por “usar” um automóvel. Sobre este tema, a resposta chega muito rapidamente.

“Qual é o preço de um Iphone?” Não faço ideia, está sempre incluído numa subscrição. O mesmo acontecerá com os automóveis.

O facto de estarem conectados permitirá, por exemplo, registar quilómetros percorridos e rapidamente vamos ver o crescimento de modelos de subscrição de automóveis, que podem ser renting, pagos por quilómetro, etc.

O regresso ao segmento B

Há uma expectativa à volta do regresso da FIAT ao segmento B, onde esta marca foi líder durante anos. Os mais saudosistas apontam o nome “Punto” como um dos possíveis para este novo modelo.

Fiat Punto
Punto. Um nome histórico e muito bem sucedido na Fiat que saiu do mercado em 2018 sem deixar sucessor.

RA: O Punto é um nome forte na FIAT. Vão usar esse nome ou ficará na história na marca?

OF: Quem é que se importa com um nome? Vamos ter um segmento B e temos de voltar para lá. É um segmento que pertencia à FIAT, com o Punto e antes do Punto, com o Uno.

Não é uma questão do nome. Mas nós produzimos estes carros e as pessoas ainda se lembram desses nomes o que é notável, tendo em conta que já saíram de produção há muito tempo. Nós dominávamos esse segmento.

Mesmo hoje, quando vemos relatórios sobre escolhas dos consumidores. Quando são questionadas sobre qual seria a marca de um carro pequeno, com quatro metros, as pessoas dizem: “um FIAT”. Nós temos de ter um segmento B. Se esse carro se vai chamar Punto? Veremos…

Uma «caixa de ferramentas» chamada Stellantis

RA: Se o segmento B é tão importante, porque é que o abandonaram?

OF: Porque não tínhamos uma plataforma, mas agora temos. Para produzir uma pick-up, por exemplo, não são necessárias sinergias, porque apesar do investimento ser grande, há também grandes margens.

Num carro pequeno temos de dividir o custo entre três ou quatro marcas. Com a Stellantis isso é muito fácil. Vai haver um segmento B porque agora temos uma caixa de ferramentas onde ir buscar material e sinergias (dois exemplos nas ligações abaixo).

O fim do segmento A (citadinos) como o conhecemos

RA: Falando do segmento A, qual é o futuro deste? Muitas marcas não acreditam que é um segmento rentável.

OF: Todos nós pensávamos, antes do FIAT 500, que o segmento A não era rentável. O segmento A é para as cidades e a mobilidade nas cidades vai ser 100% elétrica. Não vai ser híbrida, vai ser 100% elétrica. É uma certeza.

Se retirarmos o custo das baterias do custo de produção de um modelo do segmento A, vemos que o peso é enorme.

Se colocarmos o custo de uma bateria no preço de produção de um Porsche Taycan, ninguém se incomoda. Sim, vai ser um pouco mais caro, mas não vai mudar o modelo de negócio: é um carro caro, que fica um pouco mais caro.

Mas se colocarmos o custo de uma bateria na produção de um automóvel de um segmento A, tem um grande impacto. E não há possibilidade de existir segmento A sem ser 100% elétrico.

Acredito que o segmento A vai voltar com carros mais caros como o FIAT 500 elétrico. O simples carro de segmento A vai morrer. Esse espaço deverá ser preenchido pelo quadriciclo, como o Ami na Citroën ou o Twizy na Renault.

A FIAT também vai entrar no mercado dos quadriciclos com uma proposta que vamos anunciar em breve. Não é um automóvel, é um quadriciclo, mas é uma resposta.

O segmento A vai ser um território para produtos com maior estatuto e premium.

Premium agora, uma marca para todos no futuro

O custo das baterias tem um peso enorme num 100% elétrico, é o seu componente mais valioso. Tão valioso que levou o português que lidera a Stellantis, Carlos Tavares, a deixar um aviso sobre a necessidade de ter controlo da produção de baterias.

Já Olivier François, tem a lição bem estudada e em sintonia com o Grupo. Faltam cinco anos para, segundo o responsável máximo da FIAT, as baterias começarem a pesar menos no orçamento de produção.

No entanto, até esse momento e para acompanhar o custo ainda muito elevado deste componente, a solução passa por colocar a marca italiana em território premium, para depois fazer exatamente o oposto.

OF: “Em 2027 acredito que os 100% elétricos vão provar que são como as televisões modernas. Quando foram lançadas ninguém tinha dinheiro para as comprar e depois acabaram por ficar mais baratas.

Nesta fase temos de criar valor no que não é tangível, dar um valor acrescentado: a beleza, o equipamento, as parcerias como as que temos neste modelo “By Bocelli”.

Fiat New 500 La Prima by Bocelli
Fiat Novo 500 La Prima by Bocelli.

Este carro — diz, a apontar para um FIAT 500 La Prima By Bocelli — custa 39 mil euros, completamente equipado. Eu sei porque estou a pensar em comprar um para mim.

Ninguém paga 39 mil euros por algo descartável. Por isso é que temos de oferecer mais alguma coisa neste segmento. E a verdade é temos quase 100 mil clientes que o compraram (o novo 500 elétrico), porque não o veem como um produto descartável.

Para já temos de subir o nível dos produtos, como fizemos com o 500. Mas o nosso próximo passo será o oposto.”

Um mundo a várias velocidades

A eletrificação apresenta desafios enormes a uma marca global como a FIAT. A Stellantis vai renovar a sua plataforma multienergias, que será utilizada nos futuros modelos da marca italiana.

Pelo menos enquanto a mobilidade nos mercados em que a Stellantis está presente andar a velocidades tão díspares, não é expectável que seja lançada uma plataforma exclusiva para os 100% elétricos.

OF: Todos os anos são vendidos 1,4 milhões de carros FIAT em todo o mundo. Somos a marca que mais vende na Stellantis. Não por causa da Europa, mas sim pela nossa presença global.

Fiat Argo
FIAT Argo. O segmento B da marca italiana no Brasil.

Não acho que a América Latina (onde a FIAT tem uma forte presença) esteja pronta para a eletrificação total tão cedo. Vendemos alguns modelos, mas apenas como produtos de estatuto.

Todos estes modelos elétricos que vamos apresentar serão globais, por isso teremos de utilizar plataformas multienergias que sirvam o continente europeu, mas também o resto do mundo.

Olivier François e Fiat 500 RED
Olivier François, CEO da FIAT, com o 500 RED nas históricas instalações de Lingotto, que integra um circuito de testes no topo do edifício de cinco andares.

Qual é a mobilidade do futuro? Na Europa elétricos, sem dúvida. Na America Latina, Médio Oriente, Turquia… o futuro são os híbridos.

No Brasil já estão a surgir incentivos para promover a utilização de carros híbridos no centro das cidades.

Nós queremos chegar muito rápido a estes mercados com híbridos, queremos ser os primeiros a lançar estes produtos e com um valor mais acessível.

Fiat Panda RED
Fiat Panda RED.

Para serem acessíveis não podem ser híbridos plug-in, terão de ser híbridos como o Panda, por exemplo.

E híbridos a etanol (o combustível mais usado no Brasil, feito a partir da cana-do-açúcar). Temos de ser capazes de ter estas tecnologias nos nossos futuros automóveis com níveis diferentes de eletrificação.

Qual é o lugar da FIAT no futuro?

Olivier François cumula as funções de diretor executivo da FIAT, com as de diretor de marketing global da FCA e nas suas funções, tem de lidar com marcas completamente diferentes. Mas parece não ter dúvidas sobre o terreno que cada uma delas deve pisar, como nos esclarece:

“Jeep é liberdade, Dodge é muscle cars, Ram são pick-up, Maserati é luxo, Alfa Romeo é desportividade. A FIAT é um mix entre alegria e simplicidade, aquilo que em Itália chamamos de “Dolce Vita”. Carros para gozar a vida, com otimismo.

Não quero mudar o ADN da FIAT. Acho que a eletrificação é compatível com o espírito da marca.”

Olivier François, diretor executivo da FIAT

Já passa das 23h00 e François está há três horas de pé a dar entrevistas no palco que dividiu com Bocelli, ainda o sol ia alto em Fort Dei Marmi.

Nos próximos meses vamos assistir ao “grande festival” da FIAT. Ainda não são conhecidos os cabeças de cartaz, mas este primeiro ensaio, parece ter corrido bem.