Notícias Novo CEO da Bentley: “O nosso futuro não será feito exclusivamente de elétricos”

Entrevista

Novo CEO da Bentley: “O nosso futuro não será feito exclusivamente de elétricos”

Estivémos à conversa com Frank-Steffen Walliser, que assumiu este ano a liderança da Bentley e ficámos a saber mais sobre o futuro da marca de luxo britânica.

Frank-Steffen Walliser, CEO da Bentley, encostado a um Bentayga
© Bentley

Frank-Steffen Walliser é o novo diretor-executivo da Bentley desde o verão passado — assumiu funções no dia 1 de julho.

Nesta entrevista exclusiva, o “pai” do mais recente Porsche 911 ou do 918 — entrou na Porsche em 1995 — e novo líder da marca de luxo britânica explica como a Bentley se vai posicionar no futuro e a importância do novo modelo (SUV urbano elétrico).

Além disso, explica-nos por que razão acredita que, mesmo que o volume de vendas cresça, não será feita qualquer limitação ao número de carros produzidos anualmente na fábrica de Crewe, atualmente em plena remodelação.

Bentley Continental GT Hybrid Plug-in
© Bentley

Esta conversa com Frank-Steffen Walliser acontece algum tempo depois de a Bentley ter apresentado, no início de novembro, a reformulada estratégia Beyond100+, que deverá orientar a marca britânica até 2035.

Foi nesse momento que ficámos a saber que a conversão para uma gama apenas 100% elétrica foi atrasada de 2030 para 2035 e que o seu primeiro modelo elétrico iria surgir um ano mais tarde que o planeado — de 2025 para 2026.

Será o primeiro de uma nova série de modelos não só elétricos, como híbridos plug-in, a lançar anualmente ao longo dos próximos 10 anos.

A nova estratégia implica uma evolução significativa do complexo industrial e a modernização da histórica fábrica de Crewe — certificada como neutra em carbono —, para algo próximo de uma “Fábrica de Sonho”.

Para isso, está em curso o maior programa de investimento da história centenária da Bentley, que inclui a criação de um avançado Centro de Design, uma nova oficina de pintura e uma linha de montagem específica para veículos elétricos.

O objetivo é que, no final, a fábrica com mais de oito décadas de vida esteja totalmente apta para uma nova era de eletrificação e com processos de produção digitalizados e flexíveis.

Os números da Bentley na primeira metade de 2024 não foram positivos, com vendas a cair 17% e os lucros a baixarem um terço face ao período homólogo do ano anterior. O que está a ser feito para inverter esta tendência?

Frank-Steffen Walliser (FSW): Isso é verdade, mas, tendo em conta as nossas previsões feitas o ano passado, os resultados não são muito negativos. Estamos a prosseguir com uma estratégia de produto que irá ajudar a melhorar esses resultados, nomeadamente com o lançamento dos novos GT e Flying Spur.

Existem «ventos de frente» em alguns dos nossos mercados mais importantes e poderíamos criar incentivos para mitigar os seus efeitos, mas penso que isso seria uma estratégia de vistas curtas.

Bentley Beyond 100+
© Bentley

Ao plano Beyond100, revelado em 2021, seguiu-se agora o Beyond100+. O que mudou?

FSW: Quase quatro anos após termos delineado a estratégia Beyond100, adaptámo-nos ao ambiente económico atual — de mercado e legislativo —, para iniciar uma importante fase de transformação para o futuro.

O plano Beyond100+ tornou-se a nossa luz orientadora, enquanto ampliamos as nossas ambições para além de 2030, mantendo o nosso objetivo de um futuro descarbonizado. Pretendemos ter apenas automóveis totalmente elétricos a partir de 2035, pelo menos na Europa.

A Bentley atrasou a sua conversão total para propulsão elétrica, inicialmente prevista para 2030. Como se explica este adiamento?

FSW: Essa é, de facto, uma data que é um marco na indústria automóvel europeia, mas nós também vendemos carros fora da Europa, claro. Além disso, não vamos poder substituir todos os nossos modelos ao mesmo tempo.

Frank-Steffen Walliser - CEO da Bentley
© Bentley

Será necessário definir uma calendarização rigorosa para esta transição. Estamos a analisar o que poderá ser a reação do cliente de cada segmento, que modelo deve ser substituído primeiro ou depois de acordo com o seu ciclo de vida e como fica a oferta total da marca.

“O nosso futuro, no próximo decénio, não será feito exclusivamente de carros elétricos, mas também de híbridos plug-in”.

Frank-Steffen Walliser, CEO da Bentley Motors

Nos últimos anos, a Bentley melhorou os seus lucros consideravelmente graças ao aumento de conteúdos personalizados que a maioria dos clientes deseja. Será este o caminho a seguir no futuro, mais do que o aumento de volume de vendas total?

FSW: Será uma mistura dos dois. Aumentar o conteúdo de cada Bentley com equipamentos muito especiais satisfaz o cliente e aumenta o lucro por cada unidade que vendemos.

Existe um patamar de vendas anuais acima do qual a Bentley não quer passar para evitar prejudicar a exclusividade associada ao luxo?

FSW: O mercado total mundial ronda 80 milhões de unidades com perspetivas de chegar aos 100 milhões a médio prazo. Se a Bentley passar de 10 000 (volume previsto para 2024) para 15 000 ou até 20 000, isso não vai fazer com que se comecem a ver muitos Bentley nas ruas.

Não precisamos, portanto, de impor uma limitação de produção e vendas. Se tivermos oportunidade de crescer de forma sustentável… porque não? Mas, sim, o objetivo prioritário é aumentar o lucro por carro vendido, apostando igualmente em modelos únicos de produção muito limitada, como o Batur.

O primeiro carro totalmente elétrico será apresentado em 2026 (com vendas em 2027) e deveria ser baseado na futura plataforma SSP. Uma vez que essa arquitetura só ficará pronta depois isso, qual será a base técnica do primeiro Bentley totalmente elétrico?

FSW: A arquitetura SSP será uma plataforma modular que chegará aos segmentos mais altos do mercado. Mas, como refere e bem, ainda não está pronta porque esse projeto só começou há dois anos e meio. Vamos, por isso, usar outra plataforma, a PPE (Porsche Macan, Audi Q6 e-tron), e não a J1 do Porsche Taycan.

Frank-Steffen Walliser - CEO da Bentley
© Bentley

Tendo em conta que os modelos híbridos e elétricos vão coexistir mais tempo do que o inicialmente previsto, vão existir plataformas comuns para os dois tipos de propulsão?

FSW: Não. Não queremos ter uma plataforma para múltiplas energias. Ou gasolina/híbrido plug-in ou 100% elétrica. Seria errado para a nossa marca fazer o contrário. Quando se tentam fazer várias coisas com uma única tecnologia, torna-se obrigatória a necessidade de fazer compromissos.

O que vai definir um Bentley elétrico?

FSW: Acima de tudo temos de produzir automóveis de que os nossos clientes gostem: luxuosos e que ofereçam o máximo prazer de condução e a melhor experiência. Essas são as nossas prioridades.

Hoje sabemos que a transição para a eletromobilidade vai demorar mais tempo do que tínhamos previsto há quatro anos, mas não nos desviamos desse caminho. Mesmo tendo consciência de que, quanto mais qualidade o produto tiver, mais demorada será a transição.

O primeiro Bentley elétrico será o mais compacto de sempre, com menos de cinco metros de comprimento. Muito versátil, para a cidade e também para viagens de longa distância. Tão importante quanto a autonomia será a rapidez de recarga da bateria.

E quem vai comprar esse carro?

FSW: Será um cliente diferente e é por isso que este modelo também será diferente e não o substituto de um outro que esteja atualmente disponível na nossa gama.

Tal como aconteceu no Bentayga, será um automóvel capaz de reformular a nossa marca. Vai certamente captar muitos novos clientes para a Bentley, uma vez que será o primeiro SUV elétrico urbano do segmento de luxo do mundo.

“O SUV urbano assumirá uma nova forma de ser Bentley, mas respeitando o nosso ADN.”

Frank-Steffen Walliser, CEO da Bentley Motors
Bentley Urban Luxury SUV
© Bentley

Qual a sua opinião sobre como deve soar (ou não deve soar) um Bentley elétrico?

FSW: Olhando para a história centenária da Bentley, encontramos modelos muito sonoros e outros bastante mais discretos em termos acústicos. Estamos a trabalhar em algo único, que respeite a nossa história e que eu acho que vai divertir e agradar os nossos clientes. Mas não posso entrar em mais detalhes, de momento.

O som da propulsão será muito importante e ainda há decisões a tomar: Pode ser um som artificial? Deverá ser abstrato ou imitar um motor de combustão? Acredito que o som é um dos principais componentes da experiência de condução e, por isso, devemos definir bem essa solução.

Como será possível diferenciar um Bentley de outras marcas quando, na eletromobilidade, tanto os automóveis como as tecnologias são cada vez mais similares?

FSW: A socialização da performance de condução através da mobilidade é um ponto fulcral, sem dúvida. No passado, a engenharia de ponta fazia a diferença. No futuro, teremos de nos assegurar que a condução de um Bentley é diferente. Atualmente, ainda nos estamos a questionar sobre quais as melhores soluções a adotar para que isso realmente aconteça.

Consegue ser mais concreto?

FSW: Temos de produzir automóveis que sejam fáceis de conduzir, capazes de cobrir longas distâncias e rápidamente quando o condutor assim o deseja. Dito de outra maneira, automóveis que se conduzam “sem esforço”.

O nível de conforto também terá de ser especial e não é por ter uma afinação de chassis suave que um carro é confortável. O conforto vem também da precisão sentida pelo condutor, ao conseguir fazer cada curva com um único movimento de braços, sem necessidade de sucessivas correções.

Podemos dizer que a Bentley se aproximará da Porsche?

FSW: Não iria tão longe porque as duas marcas estão demasiado afastadas para que isso aconteça. Mas consigo ver um futuro em que a Bentley reforça a componente desportiva da sua condução, até porque luxo e comportamento desportivo combinam.

Frank-Steffen Walliser - CEO da Bentley
© Bentley

O seu antecessor disse-me, em 2021, que a Bentley estaria mais próxima da Audi do que da Porsche, tecnicamente, no futuro. A sua chegada à Bentley muda este cenário?

FSW: Essa questão toca em dois aspetos. Em primeiro lugar, a Bentley está integrada na Audi AG pelo que, corporativamente, isso é verdade. Mas tecnicamente a evolução não foi a prevista e as nossas últimas decisões mostram que estamos agora e vamos estar ainda mais perto da Porsche no apoio tecnológico.

Decisões tomadas antes da sua nomeação para CEO da Bentley?

FSW: Essa aproximação não esteve relacionada com a minha nomeação, ainda que ajude um pouco na sua execução. Houve alterações estratégicas importantes na Bentley e, por isso, foi esse o caminho escolhido, ainda na vigência de Adrian Hallmark.

A Porsche e a Rimac estão a trabalhar em conjunto no desenvolvimento de futuras motorizações para a Bugatti. Em alguns casos, são doses de potência “brutais”, que não estão exatamente no ADN da Bentley…

FSW: Temos de ter motorizações adequadas aos genes da nossa marca. Será necessário proporcionar uma entrega constante e generosa de binário para acelerações “despreocupadas”. Motores com 1500 cv ou 2000 cv talvez não façam sentido para nós.

Faz mais sentido ter uma bateria suficientemente grande para garantir a ampla autonomia que um Bentley deve assegurar e sobrar alguma potência “de graça”.

Todas estas considerações fazem parte da avaliação que estamos a fazer agora para escolhermos os componentes mais indicados para os Bentley elétricos no futuro.

“Não temos planos para regressar à competição, mas isso pode mudar no futuro. Assim espero, porque tem tudo a ver com a nossa história”.

Frank-Steffen Walliser, CEO da Bentley Motors
Bentley Mulliner
© Bentley

No seu anterior cargo como diretor-geral de desenvolvimento na Porsche trabalhou num muito importante projeto de desenvolvimento de combustíveis sintéticos (e-fuels). A Bentley vai beneficiar deste trabalho de investigação?

FSW: Sem dúvida. Os combustíveis sintéticos são uma boa solução para reduzir as emissões de CO2 enquanto nem todos os carros podem ser elétricos.

“Vamos ter ainda um novo veículo com motor apenas a gasolina que será uma derivação do Bentayga”.

Frank-Steffen Walliser, CEO da Bentley Motors

O que será a Bentley dentro de duas décadas?

FSW: A Bentley será sempre a marca de automóveis de luxo britânica com berço em Crewe e mesmo sabendo-se que a capacidade de produção é limitada, não iremos fabricar automóveis noutro lugar.

É por isso que iremos continuar a centrar o nosso foco na qualidade da produção artesanal e cada vez mais na exclusividade.

Também por isso, o departamento de personalização Mulliner terá cada vez mais protagonismo para que, mesmo que dupliquemos as nossas vendas, a exclusividade não seja afetada. Hoje, conseguimos ter 46 mil milhões de diferentes configurações possíveis num automóvel, mesmo antes de chamar a equipa da Mulliner…