Clássicos Este Citroën AX Turbo aconteceu mas os franceses tiveram medo

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Este Citroën AX Turbo aconteceu mas os franceses tiveram medo

Imaginem um Citroën AX turbo com aquele eixo traseiro que nós sabemos. Parece uma ideia tresloucada mas é real, existe mesmo.

Citroën AX Turbo em pista, frente
© DR

A internet está cheia de curiosidades à espera de serem encontradas e nós adoramos arqueologia digital. Numa dessas incursões pelos meandros da internet encontrámos o Citroën AX Turbo. Um cromo raríssimo, daqueles que dá direito a abrir uma garrafa de champagne.

Além do mais, dá arrepios só de juntar as palavras Citroën AX e turbo na mesma frase, não concordam? Então respirem fundo porque esta versão desenvolvia 173 cv de potência e pesava apenas 800 kg. São os números «gordos».

Mas a beleza deste modelo está na malvadez dos detalhes. Por exemplo, no lugar reservado para o rádio não havia rádio nenhum. Foi trocado por um botão para aumentar e diminuir a pressão do turbo.

Citroën AX Turbo, frente 3/4
© DR Puxem uma cadeira, este artigo vai ser longo. Desenterrámos um Citroën AX Turbo e agora só vamos descansar até conduzir um…

Quem foi o irresponsável?

Os responsáveis — ou irresponsáveis… — por esta loucura foram os engenheiros da Danielson Engineering. Um preparador que nos anos 80 e 90 trabalhava em estreita colaboração com o Groupe PSA. Os nossos colegas da Caridisiac foram mais longe e apelidaram a Danielson de “AMG francesa”. Fica no ouvido.

Peugeot 505 Turbo no paddock
© DR Peugeot 505 Turbo com 440 cv de potência. Quando tudo o que sai da Danielson é para corridas sabemos que estamos na presença de engenharia de ponta.

Mas regressando ao pequeno desportivo francês, temos de apontar culpados. O projeto do Citroën AX Turbo da Danielson foi liderado por Joseph Le Bris, um dos génios que achou que aquilo que faltava mesmo(!) a este pocket rocket era um turbo e o homem tinha uma certa razão…

Mas não fiquem com a ideia que Joseph Le Bris queria um turbo debaixo do capot do Citroën AX GTI apenas por capricho. Todos os motivos são válidos, mas havia um motivo ainda mais válido: começa por compe e acaba em tição. É isso mesmo… corridas!

Citroen AX Sport
© Citroen Foi também Joseph Lebris que na década de 80 esteve incumbido de desenvolver o motor para o AX Sport.

Vamos fazer corridas

O pressuposto do Citroën AX Turbo era apenas um: vencer corridas. Não falo daquelas corridas que aconteciam no «Autódromo» Vasco da Gama — sabem muito bem do que estou a falar… — onde seria relativamente expectável, há uns anos, encontrar utilitários franceses com «caracóis» debaixo do capô.

Falo de corridas a sério, daquelas onde há curvas, travagens… enfim, desafios que não se esgotam numa reta. A ideia era criar um modelo inspirado no AX GTI, mas com potência extra para correr no Grupo N.

Citroën AXTurbo, frente
© DR As poucas imagens que existem do Citroën AX Turbo da Danielson pertencem a um teste publicado na revista Auto Hebdo há mais de 20 anos.

No Grupo A perdia a vantagem do peso, mas no grupo N (apesar da penalizado pelo turbo) podia correr com os 800 kg do modelo de série. Era a fórmula ideal para correr nesta classe: leve, barato de adquirir e graças ao turbo podia ser competitivo.

Porém, os regulamentos do Grupo N ditavam que deviam ser produzidas e comercializadas 2500 unidades do Citroën AX Turbo para efeitos de homologação. Mas a administração da Citroën teve medo de avançar com o projeto.

Havia motivo para temer o Citroën AX Turbo?

Gostava de ter estado presente na reunião onde a Danielson Engineering tentou “vender” o projeto do AX Turbo à administração da marca francesa. No que dependesse de mim só saiam de lá com o AX Turbo aprovado.

Consigo adivinhar os argumentos da Citroën: “Ah e tal é muita potência para um Citroën AX”. Quem aprovou o projeto do Volkswagen Polo G40 ou do Fiat Uno Turbo i.e. discordará.

Além do mais estamos a falar da Danielson Engineering. Eles jamais ficariam apenas pelo turbo. Basta olhar para as imagem e percebe-se logo que o trabalho no AX Turbo não envolveu apenas o aumento de potência.

E talvez tenha sido esse um dos motivos que «matou» o projeto. Estima-se que um Citroën AX Turbo como este, em 1991, custasse cerca de 200 mil francos, um valor que atualizado à taxa de inflação seria algo como 48 mil euros. É imenso. Mas como vamos ver mais adiante era uma pechincha face a alguma «concorrência» de ocasião.

O que mudou para aguentar o turbo

Em primeiro lugar as jantes são maiores e específicas desta versão Turbo. O maior diâmetro das mesmas permitiu aumentar a dimensão dos pneus, assegurando mais tração nas acelerações e aderência nas curvas.

A taragem das suspensões também foi mexida, bem como a altura ao solo — ainda que as jantes maiores tenham anulado essa redução. E, finalmente, no eixo traseiro, encontramos discos de travão em vez de tambores.

Detalhe que dá para ver disco de travão traseiro.
© DR O Citroën AX Turbo tinha travões de disco às quatro rodas.

E acreditem, conseguir travar este demónio era mesmo muito importante. Com o turbo na pressão máxima — já vamos falar do botão mágico no lugar do rádio… — eram 173 cv de potência e mais de 200 Nm de binário máximo.

Quase números de supercarro

O AX Turbo demonstrou números impressionantes onde interessava: em estrada. Demorava apenas 26,3s nos primeiros 1000 metros. É um valor patético! O Ferrari F40 demorava 21,8 segundos, o Porsche 959 demorava 24 segundos e o Lancia Delta Integrale Evoluzione demorava 27 segundos.

Querem dar uma tareia um BMW M3 E30? Também podemos. O M3 demorava apenas mais 0,2 segundos que o AX nos primeiros 1000 metros, ou seja, podiam ir sempre a olhar para o lado e a assistir à frustração do condutor do bimmer enquanto riam na cara dele. Cada vez gosto mais do AX Turbo…

Mas vamos ser sérios, 173 cv era mesmo muita «fruta». A própria Danielson sabia disso. E quem conduzia o AX Turbo afirmava que o eixo dianteiro tinha dificuldade em digerir tanta potência no quotidiano. A solução passou por colocar um botão mágico no tabliê, no lugar que pertencia ao rádio.

Pessoa a usar botão de regulação da pressão do turbo
© DR Rádio, mas qual rádio? Através de um botão aumentávamos ou diminuíamos a pressão do turbo.

Tínhamos dois modos disponíveis à distância de um dedo: com 0,55 bar de pressão libertávamos 137 cv de potência; e com 1,0 bar de pressão libertávamos o inferno, os tais 173 cv de potência. Vale a pena olhar para a ficha técnica completa.

Especificações Técnicas:

  • Potência (0,55 bar / 1,0 bar): 137 cv / 173 cv
  • Torque máximo: 168 Nm às 5000 rpm / 206 nm às 4500 rpm
  • Cilindrada: 1360 cm³
  • Taxa de compressão: 8,2
  • Turbo: Garrett T025 com intercooler ar-ar
  • Suspensões: Amortecedores e molas especiais
  • Pneus: Michelin 185/55 R15

Performance:

  • Velocidade máxima: 192 km/h (137 cv) / 225 km/h (173 cv)
  • Aceleração (0-1000 m): 27,7s (137 cv) / 26,3s (173 cv)

Ainda não referi, mas a cabeça do motor também foi ligeiramente trabalhada. Enfim aqueles pequenos toques que depois influenciam bastante o resultado final.

Afinal, quantos existem?

Infelizmente menos do que gostaríamos. Daquilo que conseguimos apurar a Danielson produziu duas unidades e vendeu este projeto como um kit de transformação para quem já tivesse um Citroën AX GTI na garagem.

anúncio publicitário ao kit de potencia danielson para Peugeot 505
© Danielson Engineering Win on Sunday, sell on Monday. Era assim que a Danielson vendia os seus kits de potência, neste caso para um Peugeot 505.

É uma pena que o desfecho de um projeto tão promissor tenha sido este. Porque não se trata apenas de um carro engraçado com um turbo. É mais do que isso. É um produto completo, pensado com um propósito desportivo.

Hoje a Danielson Engineering ainda existe. Aliás, nunca foi tão grande. Têm laboratórios próprios que desenvolvem soluções de engenharia de ponta para a indústria automóvel, indústria naval e aviação.

Mas para mim, o Citroën AX Turbo é, e continuará a ser, o projeto mais espetacular de todos. Como sabem, tenho um fraquinho por este modelo francês há mais de 20 anos.

Fontes: Gazoline, Caridisiac, Auto News Info