Há quem diga que as crises são criadoras de oportunidades e o Ford Fiesta é a prova disso. Lançado em 1976, o Fiesta acabou por funcionar como a resposta da Ford à crise petrolífera de 1973 — o projeto, designado Bobcat, tinha começado pouco antes, em 1972 — e foi um pedido expresso de Henry Ford II, o «chefe» da Ford nessa altura.
Não foi um dos primeiros utilitários modernos, isto é, um «tudo à frente» — esse título pertence a modelos como os Fiat 127, Renault 5 ou Volkswagen Polo (nascido como Audi 50) —, mas foi o primeiro Ford a combinar a tração dianteira com um motor em posição transversal dianteira — ainda hoje é assim.
A origem do seu nome já a contámos — leiam ou releiam sobre como o Fiesta ganhou o seu nome —, mas ainda há muito por dizer sobre o primeiro Fiesta.
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As linhas mestras do primeiro Fiesta são da autoria do profícuo designer Tom Tjaarda e apesar de visualmente não ter rompido barreiras, destacava-se pela aparência simples e «fresca», proporções corretas, com todos os elementos constituintes bem «arrumados» no todo.
A tendência algo conservadora estendeu-se às suas motorizações, que derivavam do conhecido e veterano motor Kent de quatro cilindros em linha, aqui adaptado a um posicionamento transversal, justificando a adoção da designação Valencia (referência a Valência, Espanha, onde o Fiesta começou por ser produzido).
Foi lançado com motores de 1,0 l e 1,1 l, mas com o passar do tempo o Ford Fiesta foi vendo a sua gama crescer, com a chegada das luxuosas versões Ghia e a desejada variante desportiva XR2.
O XR2 destacava-se visualmente pelos faróis duplos, jantes de liga leve, spoiler traseiro e pelos «obrigatórios» autocolantes. Contudo, foi o motor Kent de 1,6 l que o tornou famoso. Com 83 cv, este permitia impulsionar os parcos 850 kg do Fiesta XR2 até aos 100 km/h em 9,3s e até aos 170 km/h de velocidade máxima.
Pelo caminho, e antes de conhecer uma segunda geração em 1983, o pequeno Fiesta atravessou o Atlântico para ser vendido nos EUA em resposta a mais uma crise petrolífera no final da década de 70. Por lá ficou de 1978 até 1980, mas não seria a última vez que seria vendido em «terras do Tio Sam».
Evolução da espécie
Um autêntico sucesso de vendas, em 1983 o Ford Fiesta já contava com um número muito maior de concorrentes e bem mais moderno competentes — a Peugeot já tinha lançado o 205 e a Fiat lançava o Uno nesse mesmo ano.
Mas quando chegou a altura de dar uma nova geração ao Fiesta, a Ford não partiu do zero, como os seus rivais, tendo tomado a decisão de efetuar um restyling mais aprofundado que o habitual ao Fiesta original.
O formato da carroçaria manteve-se praticamente inalterado, mas as extremidades foram redesenhadas, modernizando-as e revelando maiores preocupações aerodinâmicas — muito por influência do futurista e até chocante Sierra, lançado um ano antes, de linhas esculpidas no túnel de vento — e o seu habitáculo representava uma considerável evolução.
Um capô mais alto permitiu ao Fiesta Mk2 adotar os motores CVH da Ford e receber o seu primeiro motor Diesel. Por fim, com a segunda geração chegou também a primeira caixa de cinco velocidades e até uma caixa automática CVT (transmissão de variação contínua).
O Fiesta XR2 continuava presente e a fazer sonhar os mais jovens. Adotou o motor 1.6 CVH usado pelo Escort XR3, o que fez a potência subir para os 98 cv, e a caixa de velocidades ganhou uma relação, sendo agora cinco no total.
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A primeira grande «revolução» no Ford Fiesta chegaria em 1989 com a terceira geração. Desta vez, nada de restylings; a terceira geração assentava numa nova plataforma, permitindo ao Fiesta crescer em todas as direções e dando-lhe uma crucial variante de cinco portas, que praticamente todos os seus rivais já tinham.
Apesar de novo, os motores da anterior geração transitaram para a nova geração (ainda que atualizados), mas já estavam no «estirador» novos desenvolvimentos. Em 1992 o Ford Fiesta recebia o seu primeiro motor multiválvulas, o Zeta de 16 válvulas (com 1,6 l e 1,8 l), mas que se tornaria célebre com outra designação: Zetec.
Contudo, eram as versões desportivas que captavam todas as atenções. O XR2i via a letra “i” denunciar a adoção de um sistema de injeção e viu juntar-se a ele o RS Turbo lançado em 1990.
O motor era o mesmo 1.6 CVH de oito válvulas, mas a adoção de um turbo elevou a potência para os 133 cv — as críticas a este rápido pocket rocket estavam longe de ser as mais simpáticas, com muitos «dedos apontados» ao motor e ao comportamento, longe das referências Peugeot 205 GTI e Renault 5 GT Turbo.
O seu «reinado» como o mais desportivo dos Fiesta chegaria ao fim em 1992, tendo sido substituído pelo XR2i 16v ou RS1800 (dependendo dos mercados) que equipava o muito mais moderno Zeta 1.8 16v, naturalmente aspirado, de 130 cv.
Os últimos RS1800 receberiam uma carroçaria mais rígida e direção assistida — reduzindo o número de voltas do volante topo a topo de quatro para três —, redimindo em parte o desempenho do mais desportivo dos Fiesta, e preparando o palco para o que viria a seguir.
Bem mais do que um restyling
Lançada em 1996, a quarta geração do Ford Fiesta seguiu a «receita» usada na segunda, sendo uma evolução profunda do antecessor — acabaria, no entanto, por ser uma revolução.
A carroçaria era reforçada e ganhava rigidez e o estilo era um corte radical com o antecessor — apesar de manter a mesma secção lateral —, mas seria nesta geração que o nome “Fiesta” ficaria para sempre associado a referência dinâmica da classe.
Graças à intervenção de Richard Parry-Jones, engenheiro da Ford — acabaria por assumir em 1998 as funções de vice-presidente de desenvolvimento de produto na marca —, o Fiesta ganhou «boas maneiras» referenciais, tanto ao nível da condução como do comportamento.
A sua intervenção já tinha dado que falar no primeiro Ford Mondeo de 1993, mas no Fiesta o feito foi seria mais notável, dado o ponto de partida — o lançamento do Focus em 1998, foi, talvez, a «jóia da coroa» dos Ford nascidos sob a batuta de Parry-Jones.
O comportamento dinâmico do Fiesta foi alvo de todo o tipo de elogios e não poderia ter recebido melhor complemento do que com a chegada do motor Zetec 16v, com 1,25 l, desenvolvido em parceria com a Yamaha — teria ainda versões de 1,4 l e 1,6 l. Além destes, o Fiesta Mk4 contava ainda com um 1,3 l Endura e o cada vez mais «obrigatório» Diesel, aqui com 1,8 l de capacidade.
Não deixa de ser algo irónico que os argumentos dinâmicos ganhos não tenham dado origem a nenhum Fiesta desportivo — talvez para não concorrerem com o Ford Puma lançado em 1997 que recorria à mesma base.
Já em 1999 um restyling aproximou (na medida do possível) o estilo do Fiesta à nova filosofia de design da Ford naquela época, o New Edge Design. Apesar de ter sido apenas um restyling típico do Mk4, a Ford anunciou-o como a quinta geração do Fiesta — o que tem gerado, desde então, uma grande confusão sobre quantas gerações houve do modelo, com alguns a dizerem que são sete, outros oito.
O Ford Fiesta entra no século XXI
Novo século. Com a entrada no século XXI o Ford Fiesta não tardou a conhecer uma (verdadeiramente) nova geração, a sexta, de acordo com a Ford. Lançado em 2002, estreava uma nova plataforma e voltava a crescer em todas as direções.
O contraste com o antecessor não podia ser maior, adotando uma aparência mais conservadora, autoria de Chris Bird, mas ainda com ligações à estética geométrica e rigorosa do New Edge Design — aproximava-se daquilo que os alemães (exceção feita à BMW) andavam a mostrar por esta altura.
Inicialmente estava apenas disponível como cinco portas, mas a carroçaria de três portas, de silhueta mais dinâmica, não tardou a aparecer. Foi precisamente esta variante que «teve a honra» de trazer de volta as variantes mais desportivas ao Fiesta.
Pela primeira vez o Fiesta recebia a designação ST e por baixo do capô estava um 2,0 l naturalmente aspirado de 150 cv. Apesar dos elogios, um certo Renault Clio R.S. dominava a classe com um 2,0 l bem mais potente e com um chassis terrífico, deixando na «sombra» outros pocket rockets como o Fiesta ST.
De resto, a quinta… ou sexta geração do Fiesta herdava do antecessor as suas motorizações, como o famoso 1.25 16v. Mas houve espaço para estreias, com a introdução de novos motores Diesel, os 1.4 TDCI e 1.6 TDCI resultantes da joint venture com a PSA.
Receberia em 2005 uma renovação e em 2008 o Ford Fiesta conheceria uma nova geração.
O Fiesta dos ralis
Até à chegada da sétima geração do Fiesta, o papel de «cavalo de guerra» da Ford nos ralis tinha cabido aos seus «irmãos maiores» Escort e Focus, mas caberia agora ao Fiesta pegar nesse testemunho — para não mais o largar até hoje.
Um papel que combinava bem com o novo estilo, designado de Kinetic Design, muito mais expressivo e dinâmico. As novidades não se ficariam pelo design e se a plataforma era uma evolução da anterior — que serviu de base a modelos tão diferentes como os Ford B-Max, EcoSport, KA ou Transit Courier —, foi nesta geração que o Fiesta introduziu uma nova geração de motores: os EcoBoost.
Um grande motor não se mede aos palmos é o que podemos dizer do pequeno três cilindros em linha EcoBoost, com apenas um litro de capacidade e sobrealimentado. Uma pérola da engenharia mecânica, que amealhou prémios atrás de prémios, entre os quais três (consecutivos) International Engine of the Year, e seis (também consecutivos) na categoria abaixo de 1,0 l.
Seria também nesta geração, mais precisamente em 2013, que o Fiesta seria elevado a uma das referências entre os hot hatch. Ao contrário do antecessor, o novo Fiesta ST não seria votado a um certo anonimato.
Equipado com um motor EcoBoost de quatro cilindros de 1,6 l, apresentava-se com 182 cv, um valor que o aproximava dos seus principais rivais — subiria até aos 200 cv no exclusivo ST200 —, mas seria o seu chassis que o colocaria no topo.
Seria também esta geração a responsável pelo regresso do Fiesta aos EUA, com o utilitário da Ford a começar a ser vendido por lá em 2011, numa altura em que o mercado norte-americano parecia estar mais receptivo a modelos de pequenas dimensões — parecia, mas foi sol de pouca dura…
O último da espécie
Chegamos então ao último capítulo desta história que teve início no longínquo ano de 1976. Verdade seja dita, quando em 2017 foi mostrado o novo Ford Fiesta (oitava geração), nada fazia prever que fosse o último.
Tal como já tinha acontecido no passado, também o Fiesta atual, tecnicamente, não é mais que evolução substancial do antecessor. Assenta ainda na plataforma Global B da Ford e mesmo visualmente, as ligações ao antecessor são mais que óbvias.
O 1.0 EcoBoost ganhou ainda mais preponderância na gama — e eletrificou-se, com o surgimento de variantes mild-hybrid —, e o desejado Fiesta ST chegou à marca dos 200 cv, mas com um novo motor que também deu muito que falar. Não era um quatro cilindros como o antecessor, mas sim um três cilindros com 1,5 l de capacidade.
Foi também nesta geração que as versões mais luxuosas do Fiesta ganharam um novo nome. Até agora conhecidas como Ghia, passaram a ser Vignale, mas o princípio que lhe servia de base era o mesmo: oferecer mais equipamento e um ambiente mais luxuoso e requintado ao pequeno Fiesta.
Outra novidade foi o surgimento do Fiesta Active, a versão crossover ou de «calças arregaçadas» do utilitário, que veio para responder ao nosso infindável apetite por SUV e crossovers.
«Armado» com proteções em plástico, barras no tejadilho e agora com 18 mm de distância ao solo é o Fiesta mais aventureiro de todos e, tendo em conta a facilidade com que nos temos cruzado com o Active na estrada, parece ter sido uma aposta de sucesso por parte da Ford…
…mas nem isso valeu de nada ao Fiesta.
Apesar de ter recebido recentemente um facelift, o «eterno» Fiesta afinal não o é. A Ford anunciou o fim de produção do seu utilitário para junho de 2023, encerrando uma história que se prolongou por praticamente meio século e por mais de 22 milhões de unidades produzidas.
O Fiesta que era tradicionalmente o modelo mais vendido da Ford na Europa, deu lugar, mais recentemente, ao Puma (o SUV não o coupé), um modelo mais desejável e… mais rentável. O Fiesta foi perdendo progressivamente um espaço que era seu e agora deixa de ter qualquer espaço.
«Culpem» os SUV, a eletrificação galopante ou a rentabilidade baixa dos modelos mais pequenos. A fábrica de Colónia, Alemanha, onde o Fiesta é hoje produzido foi o local escolhido para a Ford produzir dois novos crossovers 100% elétricos que serão posicionados um segmento acima do Fiesta, ou seja, no segmento do Focus — é a nova realidade…
Sabe esta resposta?
Qual é a cilindrada do Ford Mustang Mach 1?
Parabéns, acertou!
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