Crónicas Um dos carros mais bonitos do mundo veio ter comigo

Museu Alfa Romeo

Um dos carros mais bonitos do mundo veio ter comigo

Fui eu que viajei até Itália ou foi ele que me chamou? Talvez pela primeira vez, foi um carro que veio ter comigo, o Alfa Romeo 33 Stradale.

Alfa Romeo 33 Stradale frente
© Alfa Romeo

Existem automóveis que parecem ter sido desenhados para a eternidade. O Alfa Romeo 33 Stradale é um desses casos raros — tão raros, que só existem 18. E todos diferentes, mas já lá vamos.

Criado em 1967 por Franco Scaglione, o 33 Stradale original é, à superfície, uma obra-prima do design italiano. Um supercarro com proporções perfeitas, com uma elegância tão subtil como definitiva. Mas há mais do que beleza neste carro, há função. Tudo o que nasce com um propósito é mais duradouro.

Competição no sangue, elegância na forma

O 33 Stradale não nasceu do nada. É descendente direto do Tipo 33, o protótipo de competição da Alfa Romeo desenvolvido pela Autodelta, divisão de competição da marca liderada por Carlo Chiti. A missão era clara: levar a Alfa Romeo de volta às vitórias internacionais.

O primeiro chassis tubular do Tipo 33 foi testado ainda em 1966 em Balocco. O motor V8 de dois litros — compacto, leve e com ângulos de válvula agressivos — foi afinado para rotações elevadas: 11 000 rpm na configuração mais extrema. Mais de 120 cv por litro.

A versão Stradale usava essa base técnica, mas com um acabamento de luxo. Era um carro de corrida domesticado para estrada — ou talvez o contrário: um automóvel de estrada com alma de competição. Felizmente, o peso manteve-se contido. Era 500 kg mais leve do que o contemporâneo Lamborghini Miura.

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As portas de abertura vertical, hoje descritas como “asas de borboleta”, foram as primeiras num carro de produção e nasceram da necessidade de garantir acesso ao habitáculo num carro de perfil tão baixo. Mas não há nada de bruto ou forçado. Todas as linhas fazem sentido, são quase coreográficas.

Alfa Romeo 33 Stradale com secções dianteira e traseira abertas
© Alfa Romeo O 33 Stradale partilhava o motor e o espírito com o Tipo 33 de competição, desenvolvido pela Autodelta. Como dizia: forma e função.

Foi ele que veio ter comigo

Encontrei-o em Arese, no museu da marca. Estava em exposição num pedestal circular, sob luz controlada, como se fosse uma escultura. O curador do museu, Lorenzo Ardizio, foi o meu guia.

Confirmou aquilo que senti de imediato: o carro tem um magnetismo raro. Atrai o olhar de todos. Ardizio disse-me que há quem visite o museu apenas para vê-lo, como se estivesse diante de uma obra de Leonardo ou de Michelangelo.

Alfa Romeo 33 Stradale com portas abertas
© Alfa Romeo O Alfa Romeo 33 Stradale original, desenhado por Franco Scaglione, é considerado um dos automóveis mais belos de sempre — mas também um dos mais sofisticados.

Quase senti que foi o 33 Stradale a vir ter comigo. A chamar-me. Sei que isso não aconteceu porque… os carros não falam nem têm alma!

Ou será que têm? Gosto de acreditar que sim. Mas sei que o mérito é dos arquitetos do museu da Alfa Romeo, que trabalharam este espaço, que guarda os mais de 125 anos de história da marca, para tornar o 33 Stradale a peça central.

Um segredo guardado a sete chaves

Foi então que aconteceu algo que não estava à espera. Lorenzo convidou-me a entrar na Sala Storica, um espaço vedado ao público, com estatuto de segredo de Estado atribuído pelo governo italiano. Durante décadas, foi aqui que se desenharam os Alfa Romeo mais belos e importantes.

É um local que respira génio e silêncio. Um templo da criatividade italiana. A presença do 33 Stradale, num cavalete de exposição central, não parecia casual. É, ali, o símbolo máximo de uma era dourada para a marca italiana.

modelo à escala na sala storica
© Alfa Romeo A Sala Storica, em Arese, é um espaço fechado ao público. Tive a sorte de poder entrar neste espaço e sentir o que lá se passou.

Todo o espaço é dominado por uma enorme mesa de reuniões e respectivas cadeiras, mas também é uma obra de engenharia. O teto foi pensado para oferecer sempre a mesma luz, de dia ou de noite, para garantir que os modelos que ali ganhavam forma viriam a ser aquilo que se esperava deles.

O isolamento acústico também impressiona. Não entra nenhum ruído, não saí nenhum segredo. Aqui as paredes não têm ouvidos, mas se pudessem tinham olhos.

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18 exemplares todos diferentes

Existem apenas 18 carroçarias do Alfa Romeo 33 Stradale original. E todas são diferentes entre si.
Cada unidade foi feita à mão e entre a construção de cada um a Alfa Romeo aproveitava para introduzir pequenas melhorias: afinações no chassis, alterações no sistema de refrigeração, revisões aerodinâmicas, ajustes ergonómicos.

Foi, de certa forma, uma produção evolutiva. Um laboratório de engenharia e estética. A marca sabe onde estão todas as unidades — algumas em museus, outras em mãos privadas, guardadas para a eternidade, a passar de geração em geração.

Alfa romeo 33 Stradale, traseira
© Alfa Romeo Cada exemplar do 33 Stradale original é diferente. Eram feitos à mão e iam evoluindo discretamente de unidade para unidade.

E nem todos têm as formas do 33 Stradale, algumas dessas carroçarias foram entregues a estúdios de design e carroçadores italianos — Pininfarina e Bertone, por exemplo — para levar ainda mais longe o design deste supercarro.

Por isso, Arese não é apenas o local onde nasceu o novo 33 Stradale. É também onde se encontra o passado mais nobre da marca. O Museo Storico Alfa Romeo é um dos lugares mais impressionantes para qualquer apaixonado por automóveis — não apenas pela coleção, mas pelo ambiente.

Alfa Romeo 33 Stradale no Museo Storico
© Alfa Romeo O museu da Alfa Romeo em Arese é uma viagem ao coração da marca — e uma visita obrigatória para qualquer apaixonado.

Novo capítulo da saga 33 Stradale

Depois da visita, tive oportunidade de conduzir o sucessor do 33 Stradale. Fui até à pista de Balocco — o mesmo local onde, há quase 60 anos, se afinavam os primeiros Tipo 33 — e por lá estava à minha espera o novo capítulo dessa história.

Felizmente, há vídeo de tudo. E ainda bem. Porque há momentos que merecem ser partilhados. Sobretudo quando sabemos que são, por natureza, irrepetíveis.