Crónicas Os automóveis modernos parecem a minha sogra

Condução

Os automóveis modernos parecem a minha sogra

Apitos, luzes e mais uma parafernália de tecnologias que interferem diariamente com a nossa condução. Vivemos numa época em que os automóveis têm mais semelhanças com as nossas sogras do que aquilo que parece à primeira vista.

Em primeiro, permitam-me uma breve declaração de interesses: gosto muito dos automóveis modernos e também gosto muito da minha sogra — é bom deixar isso bem claro, porque o mundo é redondo e nunca se sabe quando é que um exemplar da Fleet Magazine vai parar às “mãos erradas” . Dito isto, permitam-me explicar a raison d’être do título deste artigo.

Este mês tive oportunidade de conduzir durante uma semana um Mercedes-Benz 280SE de 1970 em excelente estado de conservação (melhor do que eu, que sou de 1986). Um automóvel muito simples face às berlinas atuais e que tinha apenas o básico: ar-condicionado (algo revolucionário para época), direção assistida, rádio e pouco mais. De resto, um modelo confortável e bem construído — como é apanágio da marca de Estugarda.

Fiquei muitíssimo agradado com a paz que vivi ao volante daquele carro. Sem os apitos e avisos constantes que os sistemas modernos emitem — tantas vezes exagerados. Voltei a sentir-me verdadeiramente “no comando” do carro. E por incrível que pareça, não aconteceu nenhuma catástrofe por isso. Não bati, consegui estacionar sozinho sem ajudas, não me esqueci das luzes ligadas e não me despistei por falta de ESP. Sim, é possível…

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mercedes sportclasse 2

Um modelo que assim que a minha sogra se sentou lá dentro, como que por magia ganhou uma série de extras, entre os quais: GPS (“vai por aqui que é mais rápido”), sensores de estacionamento (“atenção que vais bater”), alerta de fadiga (“andas muito cansado filho”), radar de anti-aproximamento (“vais demasiado perto desse carro”), sensor de ângulo morto (“olha que vem ali um carro”), ar-condicionado automático (“estão 22°! é melhor meter isto no máximo), e limitador de velocidade ativo (“mais devagar filho, vais a 90 km/h!”).

Sistemas estes que para mal dos meus pecados só dão para desligar por asfixia — conhecem o sentimento, não conhecem? E pronto. De um momento para o outro, voltei a estar aos comandos de um carro moderno. Último modelo. Topo de gama.

Chegado ao destino, deixei o “pack full-extras” em casa, e o Mercedes-Benz 280SE voltou a ser aquilo que era antes: um carro com 46 anos de idade e sem tecnologia de ponta (da língua…).

Cerca de uma semana depois entreguei-o e voltei a sentar-me ao volante de um carro moderno. A sensação que tive foi que a minha sogra estava omnipresente naquele carro. Sempre que me aproximava de um carro, que mudava de faixa ou que excedia um limite de velocidade, ele estava lá para me informar sobre aquilo que eu já sabia. Que tinha um carro à minha frente, que não podia ultrapassar e que circulava (ligeiramente) mais depressa do que devia. Quem nunca…

Na verdade, é assim que os automóveis modernos nos tratam: como se fossem a nossa sogra e como se não soubéssemos o que estamos a fazer. E a verdade é que muitas vezes têm razão: não sabemos. É por isso que apesar das novas tecnologias por vezes pecarem por excesso de zelo e nos limitarem a liberdade de movimentos, são muito bem-vindas. Além do mais, nem todos os condutores se pautam pelos melhores comportamentos ao volante. Por isso, se o preço a pagar por uma redução da sinistralidade rodoviária é ter de conduzir uma «sogra de quatro rodas» no dia-a-dia, pois então que seja.

Agora não deixem a vossa sogra ver esta edição da Fleet Magazine, eu vou fazer o mesmo.

Nota: Artigo publicado na edição nº29 da Fleet Magazine, no âmbito da parceria com a Razão Automóvel. Agradecemos à Sportclasse a cedência da viatura nas imagens.