Crónicas É assim que as marcas chinesas estão a contornar o problema das baterias

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É assim que as marcas chinesas estão a contornar o problema das baterias

Se carregar a bateria de um elétrico pode demorar horas, trocar a bateria vazia por uma cheia leva cinco minutos. Será uma solução com futuro?

NIO Power Swap Station
© NIO

Atualmente, qualquer consumidor de carros elétricos quer duas coisas: que chegue o mais longe possível com apenas uma carga da bateria e que esta carregue no menor tempo possível.

A indústria segue assim o caminho de procurar por células com mais densidade e conteúdo energético, ao mesmo tempo que aceitam potências de carga mais altas, para minimizar o tempo que se está parado a «encher o depósito».

Até agora, a história do automóvel está cheia de boas ideias que fracassaram por terem nascido «antes de tempo». Ou porque o consumidor e/ou a sociedade não estavam prontos ou, até mesmo, porque a tecnologia não estava suficientemente madura para acompanhar o brilhantismo visionário de quem soltou um audível «eureka» durante uma noite de insónia.

Skoda Elroq carregar
© Skoda Em 2024, a paridade com os carros com motor de combustão, em termos de autonomia (real) e de tempo de reposição da energia a bordo é ainda uma miragem.

Os primeiros carros «a pilhas», surgidos no final do século XIX — mais antigos que os carros a combustão —, são um bom exemplo disso. Precisaram de esperar 120 anos para que pudessem começar a ter o horizonte de futuro que reconhecemos hoje. A troca de baterias ao invés de carregá-las não lhes fica atrás.

Não carregue, troque

O princípio de baterias substituíveis nos automóveis elétricos, criado pela empresa Better Place do milionário israelita Shai Agassi em 2007, fracassou há pouco mais de 10 anos, mas as vantagens pareciam evidentes. Em cinco minutos a carro elétrico ficaria pronto para mais umas centenas de quilómetros e o aluguer do serviço retiraria da equação (ou, pelo menos, do bolso do consumidor) boa parte do elevadíssimo custo das baterias. Apesar da trajetória de preços descendente, as baterias ainda hoje aumentam substancialmente o preço de venda de um carro elétrico face a um homólogo a gasolina.

Através do pagamento de uma mensalidade, o cliente teria acesso a energia fresquinha para o seu carro elétrico. Só a teria de recolher nas estações de troca de baterias que, supostamente, iriam substituir as gasolineiras num par de décadas.

Para além das inúmeras vantagens enumeradas acima, o conceito de Bateries as a Service (BaaS) também se revelaria um benefício para o meio ambiente.

Num ecossistema de substituição de baterias não só se consegue uma reutilização maior dos recursos, como as baterias podem ser carregadas mais lentamente, o que prolonga a sua vida útil e, consequentemente, reduz o seu desperdício. Além de que, ao poderem ser carregadas a qualquer hora, as estações de troca de baterias podem fornecer energia durante os períodos de pico de consumo.

Em termos genéricos, a ideia falhou porque os seus mentores foram demasiado ambiciosos. Para além de ter havido uma má gestão, os dois mercados pioneiros onde esta tecnologia foi testada (Israel e Dinamarca) não corresponderam às expectativas.

O princípio que suportava o modelo de negócio/tecnologia ainda hoje em dia recolhe preferências de muitos analistas e engenheiros. Atualmente este foi reativado com o propósito de desenterrar a ideia, ajustando-a aos ensinamentos colhidos através dos erros dos pioneiros.

A própria Tesla testou o conceito (propondo, em 2013, trocar uma bateria em 90 segundos), mas abandonou-o porque os clientes não mostraram interesse (e o projeto foi mandado às urtigas em 2015).

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Troca de baterias. Será desta?

Recentemente, a NIO (uma das pujantes marcas chinesas e que não faltará muito para entrar em Portugal) está a reativar esta solução, perante alguma incredulidade das fabricantes de automóveis «estabelecidos», que decidiram esperar para ver (e deixar que os chineses enterrem o seu capital).

Neste momento, a NIO, a CATL (gigante chinesa de produção de baterias) e a startup de São Francisco, Ample, já estão a oferecer serviços de troca de baterias na China, Estados Unidos da América (EUA) e Europa.

As estações são significativamente mais baratas do que as da Better Place eram e ocupam menos espaço (dois a quatro lugares de estacionamento são suficientes). Para além disto, ao contrário do que acontecia na empresa israelita, a posição da NIO como fabricante de veículos permite-lhe manter o controlo direto sobre as baterias e os automóveis, garantindo a compatibilidade com as suas estações.

Segundo a marca chinesa, um posto de troca pode equipar até 70 carros por dia com baterias cheias, à razão de cinco minutos cada, contando com já cerca de 2000 estações em funcionamento na China (fala-se em 40 milhões de trocas já realizadas).

Com o apoio do governo (como não?) o projeto piloto deverá crescer para alimentar mais de 100 mil carros elétricos no país em 11 cidades, todas elas com populações de um milhão de pessoas ou mais.

NIO Power Station
© NIO O construtor automóvel chinês NIO é um dos poucos que está a investir hoje no sistema de troca de baterias. Estas são trocadas em cinco minutos.

A BAIC, SAIC Motor e GAC adotaram um módulo comum para que as substituições de baterias sigam uma mesma plataforma. E a Geely (proprietária de marcas como a Volvo, a Zeekr, a Polestar ou a Lotus) quer instalar 5000 estações de troca até ao ano que vem na China, sendo que estão também a ser desenvolvidos sistemas flexíveis que se adaptam a carros elétricos de diferentes marcas.

O grupo proprietário da Volvo assinou um acordo com a NIO (que fez parcerias similares com os grupos chineses JAC e Chery), em novembro de 2023, para facilitar a criação de um padrão que permita uniformizar este serviço.

Em 2024, a CATL duplicou os seus esforços no modelo de troca de baterias ao estabelecer uma joint venture com a principal plataforma chinesa de condutores de comerciais da Didi, proporcionando um mercado considerável para os fabricantes de veículos elétricos que optem por adotar a solução de troca de baterias.

Troca de baterias na Europa

E, claro, a tecnologia começa a chegar à Europa. A NIO já tem as primeiras estações ativas na Noruega e na Alemanha e a TotalEnergies assinou um acordo de cooperação com a empresa especializada em substituição de baterias INFRADianba (joint venture entre a especialista alemã em infraestruturas InfraMobility e os chineses Aulton Dianba). 

Nos EUA, algo similar está a começar a acontecer em São Francisco, onde a startup Ample opera cinco postos de troca de baterias, especialmente para condutores de elétricos da Uber. Ademais, estabeleceu duas parcerias com a Shell e a Eneos para impulsionar novos projetos nos EUA e no Japão.

Numa tentativa de servir os residentes urbanos, cada estação da Ample (com postos pré-fabricados) ocupa uma pequena área equivalente a dois lugares de estacionamento. É usada uma arquitetura modular, conceptualmente próxima de peças de Lego, que atende diversos tipos baterias.

Outras marcas vão tomando notas. A Stellantis estabeleceu uma parceria com a Ample para testar o sistema de troca de baterias com uma frota de 100 Fiat 500e no seu serviço de partilha de automóveis Free2move, em Espanha. A operação vai arrancar em dezembro deste ano e deverá continuar a crescer durante o primeiro semestre de 2025.

Todas estas movimentações geraram atenção também a oriente, com a Toyota e o serviço de correios Yamato Transport a trabalharem para criar um padrão de baterias de substituição para veículos comerciais elétricos (que fazem muito sentido neste negócio porque as baterias podem ser trocadas em menos tempo do que um camião é carregado com mercadorias).

O palco está entregue aos fabricantes de carros elétricos, fornecedores de baterias, startups tecnológicas, financiadores e legisladores/governos. Mas fica a ideia de que há condições objetivas para que não seja preciso esperar mais de um século para que este modelo de negócio e solução efetiva para facilitar a mobilidade elétrica aos consumidores possa singrar.

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