Especial O problema dos elétricos não é só o lítio. Há outro elemento em falta

Especial Matérias-primas

O problema dos elétricos não é só o lítio. Há outro elemento em falta

O crescimento no número de automóveis elétricos e híbridos está a colocar pressão sobre várias matérias-primas, entre as quais o cobre: a procura já supera a oferta.

Às vezes torna-se difícil compreender o quão a nossa vida está dependente de algumas matérias-primas. Só nos damos conta disso quando esta começa a escassear. É o caso do cobre.

O cobre está presente em quase todos os aspetos da nossa sociedade tecnológica, seja na eletricidade ou na eletrónica. As suas propriedades como a excelente condutividade elétrica fazem dele o material de eleição para esses fins.

A procura por cobre não tem, por isso, parado de crescer e promete explodir nos próximos anos. Os motivos? O crescimento acelerado não só das tecnologias verdes como da Inteligência Artificial.

cobre
© IEF O preço do cobre atingiu um pico em maio de 2024 de aproximadamente 10,7 €/kg. Mas no final do ano passado baixou aproximadamente para os 8,6 €/kg).

No primeiro caso podemos incluir quase tudo, dos automóveis 100% elétricos às turbinas eólicas; no segundo caso são os centros de dados gigantes que requerem quantidades igualmente fenomenais deste metal.

O que é certo é que a procura já está em máximos históricos e as previsões avançadas pelo banco UBS dizem que, este ano, o défice na oferta de cobre será superior a 200 mil toneladas. E só promete crescer nos próximos anos, de acordo com as previsões do setor.

Quantos quilos de cobre há num carro?

Os automóveis são um bom exemplo de como vamos precisar de quantidades muito maiores de cobre do que as que já temos. Mesmo que esteja a conduzir um carro apenas com motor a combustão já está a transportar cerca de 23 kg de cobre no veículo (cablagens, alternador, etc.).

Os números são avançados pela International Copper Association e dizem que, caso tenha um carro 100% elétrico, a quantidade de cobre quase que quadriplica para cerca de 83 kg (motores, baterias, etc.). Os híbridos ficam a meio caminho: cerca de 40 kg e 60 kg, respetivamente para híbridos e híbridos plug-in.

O problema é ainda agravado por os carros elétricos e híbridos plug-in precisarem de carregadores que também requerem cobre: pode ir de 700 g até aos 8 kg num carregador rápido.

E, como já noticiámos, as vendas de automóveis elétricos e híbridos no mundo não tem parado de crescer: em 2024, as vendas globais aumentaram 25% em relação ao ano anterior (fonte: Rho Motion). E a tendência é para continuar nos próximos anos.

Os números avançados pela International Copper Association são elucidativos: em 2017 havia no mundo três milhões de veículos elétricos e híbridos (automóveis e autocarros); em 2027 estima que subam para os 27 milhões. O que se traduz num salto de 185 mil toneladas de cobre usado (só elétricos e híbridos) em 2017 para 1,74 milhões de toneladas em 2027 (valor estimado) — quase 10 vezes mais.

A ambição de rumarmos à eletrificação total do automóvel durante as próximas décadas dita que também podemos estar a caminhar para uma crise nas matérias-primas.

“O objetivo de ser 100% elétrico até 2035 não vai conseguir ser cumprido sem uma aceleração sem precedentes na mineração de cobre.”

Joseph McMonigle, secretário geral do Fórum de Energia Internacional

São precisas mais minas

Há uns anos o tópico quente na indústria automóvel era a falta de lítio para se fazerem as baterias para todos os carros elétricos que vão ser precisos fazer. Esse problema persiste — tal como no cobre, caminhamos para um défice preocupante na oferta de lítio.

Mina Morenci, EUA
© Philcomanforterie Mina de cobre em Morenci, no estado do Arizona, EUA

O problema não está, no entanto, na falta de cobre e lítio no planeta, mas sim na capacidade de extração destas matérias-primas. Simplesmente não temos capacidade instalada de mineração capaz de satisfazer a procura crescente.

“A procura por cobre deverá superar a produção global em 2025, marcando um ponto de viragem na capacidade deste material de satisfazer as necessidades globais para a transição energética.”

Robert Wares, Presidente e CEO da Osisko Metals

Se o problema é falta de minas, porque não se abrem mais? Bem, não é assim tão simples. Demora, em média, 23 anos para que uma mina de cobre fique ativa (da descoberta de depósitos ao início da operação). E a procura está a crescer muito mais depressa que o número de novas minas.

O Fórum de Energia Internacional (IEF) divulgou um estudo que mostra altura da montanha que é necessário escalar.

Mesmo quando é considerado um cenário em que nada muda, sem iniciativas verdes, para cobrir as necessidades de cobre previstas para entre 2018 e 2050, seria necessário aumentar a produção em 115% em relação a todo o cobre produzido pela humanidade até 2018.

Sim, em 32 anos teríamos de produzir mais cobre — 260 milhões de toneladas estimadas — do que o que já foi produzido em toda a história. Só por si, isto iria requerer a abertura de 1,1 minas de cobre por ano.

A questão é que estamos a apostar forte na mobilidade elétrica e em múltiplas iniciativas verdes, como a aposta na energia eólica.

Considerando um cenário onde os automóveis elétricos predominam, o IEF prevê que seja necessário produzir no mesmo período (2018-2050) cerca de 404 milhões de toneladas de cobre. O que equivale à abertura de 1,7 minas por ano. Caso queiramos chegar à neutralidade carbónica, a necessidade de cobre explodiria: 1460 milhões de toneladas entre 2018 e 2050 e a abertura de seis novas minas por ano.

Contas feitas, o IEF prevê, dependendo do cenário, a abertura de entre 35 a 194 minas de cobre até 2050.

Há soluções?

Todos os cenários previstos implicam um aumento da procura de cobre nas próximas décadas. A procura já supera a oferta e assim continuará a ser. A única solução viável para a satisfazer é aumentar o número de minas, mas o IEF propõe uma solução para gerir o crescimento da procura.

Esta não passa pela reciclagem: já é uma prática corrente na indústria. A International Copper Association diz que, atualmente, mais de 30% do cobre usado é reciclado, enquanto a União Europeia diz que 44% da procura de cobre dos estados-membros provém de fontes recicladas.

A solução proposta pelo IEF passa por mudar o foco dos automóveis elétricos para os automóveis híbridos (que não precisam de ligar à tomada).

Toyota Prius primeira geração
© Toyota O futuro em 1997 parece continuar a ser a melhor solução para o nosso futuro em 2025: híbridos.

Como requerem sensivelmente metade do cobre necessário relativamente a um 100% elétrico, terá um impacto significativo na procura. “Como uma tecnologia de transição, os híbridos permitem uma transição gradual para a eletrificação total enquanto a produção de cobre aumenta”, pode ler-se no estudo da IEF.

Além disso, já permitem caminhar no sentido da redução das emissões dos gases com efeito de estufa, como é desejado. Não só na utilização — são à volta de 30% mais eficientes que os carros só a combustão —, como na produção, quando comparados com os elétricos.

Há mais soluções?

Não há nenhuma solução que resolva efetivamente o problema, mas há uma que também pode mitigar o problema: a evolução do automóvel elétrico em si. Um relatório feito pela Benchmark Mineral Intelligence demonstra que há uma tendência para a redução da quantidade de cobre usado por cada carro elétrico.

De acordo com a consultora, em 2015 um carro elétrico precisava, em média, de 99 kg de cobre, mas esse valor tem vindo a decair e, em 2030, esse valor deverá cair para os 62 kg (menos 37%). A descida é justificada por vários motivos.

Um deles é a melhoria contínua na eficiência dos vários componentes dos elétricos (e híbridos). Essa eficiência crescente permite reduzir a quantidade de cobre usado, seja nos enrolamentos dos motores elétricos, seja na espessura das folhas de cobre usadas nos ânodos das baterias.

Além disso, já se começam a usar materiais alternativos ao cobre como o alumínio (cablagens e cabos de carregamento, por exemplo). Não só é mais leve, como também é mais barato. Mas tem algumas limitações, pois necessita de ocupar mais espaço para atingir o mesmo nível de condutividade.

Dito isto, a Benchmark Mineral Intelligence reconhece que, mesmo considerando a redução da quantidade de cobre por carro, o aumento contínuo na produção de automóveis elétricos não impedirá a subida de procura por cobre.

As suas projeções indicam que crescerá 177% entre 2023 e 2030, atingindo as 2,5 milhões de toneladas anuais.

Fontes: International Copper Association; Investing News Network; International Energy Forum

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