Notícias Tecnologia portuguesa quer acabar com a maior causa dos acidentes nas estradas

Entrevista

Tecnologia portuguesa quer acabar com a maior causa dos acidentes nas estradas

André Azevedo sentiu na primeira pessoa os efeitos da fadiga ao volante. Decidiu criar a aplicação Wingdriver para evitar que aconteça o mesmo a outros.

Wingdriver - Entrevista a André Azevedo
© Wingdriver

André Azevedo é o diretor-executivo da Wingdriver, a startup portuguesa que já está a salvar vidas na estrada.

A startup desenvolveu uma tecnologia que é capaz de detetar sinais de fadiga e falta de concentração do condutor, emitindo alertas que podem evitar acidentes.

E a ideia nasceu precisamente após André Azevedo ter adormecido ao volante. Só por sorte viveu para contar e que lhe fez nascer uma enorme vontade de contribuir para que isso aconteça cada vez menos.

Wingdriver - Entrevista a André Azevedo
© Wingdriver André Azevedo, CEO da Wingdriver.

RA: De onde sai esta ideia de criar uma aplicação que quer manter os condutores acordados?

André Azevedo (AA): Em março de 2014 eu e um amigo de toda a vida tivemos, na mesma semana e em estradas diferentes, acidentes que, felizmente, não tiveram consequências, mas apenas por sorte.

Às quatro da manhã fechei os olhos na autoestrada e passei da faixa da direita para a central (eram três faixas) e o carro acabou por se imobilizar, comigo a dormir. E foi aí que acordei em sobressalto.

Na mesma semana, o meu sócio e cofundador da Wingdriver teve um acidente similar, mas não evitou embater contra um veículo que estava parado, numa estrada nacional, e os dois carros foram para a sucata. Ele também, teve sorte e não teve ferimentos.

A partir daí interrogámo-nos sobre o que poderia ser feito para diminuir este tipo de acidentes, estudámos as causas de acidentes em Portugal e concluímos que era um fenómeno recorrente. Na verdade, é a quarta causa mais frequente de acidentes rodoviários no nosso país. A primeira era o excesso de velocidade, a segunda a distração ao volante.

Em setembro desse mesmo ano arrancámos com o projeto. Dez anos depois, em 2024, a distração ocupa o primeiro lugar desse ranking, o excesso de velocidade a segunda e a fadiga/sono subiu, ocupando agora um lugar nesse indesejado pódio.

Ou seja, os automóveis evoluíram muito numa década, mas continuam a não poder corrigir comportamentos imperfeitos ou outro tipo de insuficiências humanas.

A Wingdriver quer, por isso, ajudar os condutores a evitar estas situações de adormecimento ao volante, com tecnologias que vivem no smartphone ou no tablet.

Como é que a aplicação atua, em concreto?

AA: Usamos Inteligência Artificial (AI) e visão computacional, com a câmara do smartphone, que permite analisar a face do condutor: se os olhos estão a fechar, para onde está direcionado o seu olhar, se está a bocejar, etc. A partir daí, lançamos um alerta para que o condutor perceba que tem de parar de conduzir.

aplicação Wingdriver a ler olhos do condutor
© Wingdriver

Os automóveis modernos têm, cada vez mais, software e tecnologia com o mesmo objetivo. Por que razão é necessário usar a Wingdriver?

AA: Felizmente, a União Europeia vai obrigar, a partir de 2026, todos os novos automóveis a estarem equipados com uma tecnologia similar à nossa, e alguns topos de gama já a têm hoje, integrada no veículo.

Acontece que as estradas são espaços partilhados e, para que os efeitos de uma nova tecnologia cheguem às massas, não podemos estar pendentes de uma tecnologia de nicho.

Tem de chegar a todos os condutores, e isso é possível aproveitando o facto de quase toda a população usar um smartphone dia e noite. O nosso software foi desenvolvido para se integrar no ecossistema de aplicações que já existem.

Quer dar-me exemplos de aplicações e de empresas com quem já estejam a trabalhar?

AA: Sim. Via Verde, Galp, Uber, Bolt, Car Track… e estamos apenas a começar. Queremos chegar a condutores profissionais, gestoras de frotas, plataformas de ride-hailing, motoristas TVDE, seguradoras, etc. Aos poucos, temos a ambição de poder ir “educando” os condutores, dissuadi-los de conduzir quando estiverem cansados e promover apenas práticas recomendáveis.

Além de podermos contribuir para reduzir a sinistralidade globalmente, poderíamos recolher dados para fazer estudos e melhorar os algoritmos.

André Azevedo, CEO da Wingdriver

E parcerias “maiores”, como Google Maps ou Waze?

AA: Esse é o nosso sonho: chegar a essas duas aplicações de mobilidade, que são as mais utilizadas à escala planetária, e ter o nosso algoritmo dentro de qualquer uma delas.

Além de podermos contribuir para reduzir a sinistralidade globalmente, poderíamos recolher dados para fazer estudos e melhorar os algoritmos. E, claro, temos também no horizonte a possibilidade de fornecer o nosso software aos fabricantes e fornecedores da indústria automóvel.

Wingdriver - Entrevista a André Azevedo
© Wingdriver

Onde estamos hoje, parece que o vosso caminho poderá bifurcar a médio prazo. Se o projeto não tiver sucesso podem desaparecer ou, pelo contrário, se tiverem êxito deverão ser comprados por alguma megaempresa…

AA: Tipicamente, são três os caminhos que estão reservados às startups. Podem “morrer” e, em muitos casos, vender a tecnologia para outros; podem escalar e ser adquiridas por um grande player; ou podem entrar em bolsa.

Nós admitimos como possível qualquer das duas últimas hipóteses e sentiremos que a nossa missão foi bem-sucedida se conseguirmos baixar a percentagem de erro humano como causa de acidentes a nível mundial, que hoje é de 94%.

Mas disse-me que gostaria que a Wingdriver tivesse impacto no maior número possível de pessoas. Nesse caso, pensando na massificação, é legítimo pensar que estão mais interessados em abordar uma Google — que tem milhares de milhões de utilizadores diários — ou a Waze, do que um fabricante de automóveis?

AA: É verdade, essa seria a solução com mais impacto. Mas pode até haver a possibilidade de encontrar soluções customizadas para cada um desses canais.

© Wingdriver

A Wingdriver afirma que foram já salvas mais de 1200 vidas na estrada com a vossa aplicação. Que vidas são essas?

AA: São as dos condutores que já utilizam a nossa tecnologia. De empresas como a Brisa, a Egis, a Paulo Duarte, a Galp, e também já estamos a entrar nos Estados Unidos. A internacionalização passa também por testes que estamos a fazer na Indonésia e na Austrália, tudo a partir do nosso escritório central no Porto.

A ideia é seguir a lógica do one concept fits all, de Portugal para o mundo. Como uns sapatos em que o design é único, mas depois é preciso fazê-lo em vários números. No nosso caso, isto inclui até os países que conduzem na faixa da esquerda, como o Japão, a Austrália, etc.

Se e quando a Wingdriver for vendida, percebe-se de onde vem o vosso retorno financeiro. Mas, para já, como subsistem financeiramente?

AA: Temos um kit de desenvolvimento de software que pode ser implementado em aplicações existentes de empresas, como a Bolt, que paga uma assinatura mensal pela quantidade de utilizadores que usam a nossa tecnologia. E uma segunda solução que tem a ver com a nossa capacidade de medir a gravidade do problema do adormecimento ao volante nos seus funcionários/colaboradores.

Quantificar o problema ajuda a compreendê-lo e a dar passos para o resolver: cada gestor de frota tem acesso ao painel de bordo da nossa cloud para, a partir daí, recolher dados com o objetivo de perceber o que está a acontecer na estrada, implementar metodologias e medir o impacto das ações ao longo do tempo.

© Wingdriver

Na minha vida profissional tenho a oportunidade de testar os automóveis mais modernos, cada vez mais equipados com sistemas de ajuda à condução, que incluem avisos acústicos para qualquer coisa que não esteja bem.

E um comportamento transversal dos condutores que lidam com estes avisos é desligar os sinais sonoros, quase sempre bastante invasivos, mesmo que a legislação obrigue a que esses avisos sejam reativados de cada vez que o carro é ligado. O vosso “besouro” de aviso é bastante “incomodativo”. Isso preocupa-o? Contraria a vossa essência?

AA: O que temos aprendido com os utilizadores até agora é que a nossa tecnologia é ativa. Muitos carros mostram uma chávena de café para recomendar uma paragem para retemperar forças, mas essa solução não é eficaz tendo em vista o propósito desejado. Além disso, retira credibilidade ao sistema porque a chávena aparece ao fim de um certo tempo, quer o condutor esteja cansado ou não.

O nosso mais recente estudo-piloto junto dos condutores da Bolt mostrou que 77% dos utilizadores dizem que a Wingdriver melhorou o seu quotidiano, e 33% afirmam que lhes permitiu evitar um acidente.

Isso acontece porque nós conseguimos emitir o aviso de cansaço/sono/distração em milésimas de segundo após o comportamento ser identificado no rosto do condutor e isso torna o sistema mais credível.

Tudo acontece em tempo real, de tal forma que, quando o acordamos, o condutor consegue aperceber-se da utilidade do aviso. Nós vivemos aí: na perceção da utilidade da tecnologia.

Depois, podemos ajustar os alertas sonoros para diferentes níveis de sensibilidade (ou seja, “mais chato ou menos chato”) na própria aplicação.

© Wingdriver

Os sistemas operativos dos automóveis estão a tornar-se muito mais digitais e menos físicos. Se eu olho para o ecrã central para subir vidros ou ajustar os retrovisores, a Wingdriver vai avisar-me que estou distraído?

AA: Concordo que os automóveis se estão a tornar menos seguros nesse aspeto, porque os botões eram muito melhores do que os ecrãs táteis usados para essas funções. E também há sistemas que obrigam a passar por vários menus até chegar à regulação que procuramos.

Espero que seja possível encontrar uma solução de compromisso no futuro e que também a evolução dos sistemas operativos com comandos de voz ajude a contrariar essa tendência.