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Toyota fez as contas. Apostar só nos elétricos a bateria para reduzir emissões é errado

O cientista-chefe da Toyota demonstra como é possível reduzir mais depressa as emissões de CO2 não seguindo a abordagem "apenas elétricos a bateria".

Sinal estacionamento para carregamento de carros elétricos.
© Fernando Gomes / Razão Automóvel

A Toyota mantém o «pé firme» na sua mensagem de que os elétricos a bateria não são o único caminho ou até o mais rápido para limitar e reduzir as emissões de CO2 (dióxido de carbono).

O maior construtor do mundo em 2022 continua a defender veemente que a indústria automóvel tem de atacar o problema em várias frentes, não só com os elétricos a bateria, mas também com híbridos, elétricos com pilha de combustível a hidrogénio (fuel cell) e até com motores de combustão interna a queimar hidrogénio ao invés de gasolina.

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Uma posição que tem sido bastante criticada, sobretudo pelos defensores mais acérrimos dos 100% elétricos a bateria. Ao que a Toyota decidiu agora contra-argumentar com ciência, concluindo que a abordagem de “apenas elétricos a bateria” é a errada para o objetivo de reduzir rapidamente as emissões de CO2.

Milhões de elétricos por ano
A abordagem multifacetada da Toyota também inclui, claro, elétricos a bateria no seu futuro. O objetivo está traçado: em 2030 quer estar a produzir 3,5 milhões de elétricos por ano.

Recursos limitados

Foi no Fórum Económico Mundial, ocorrido no passado mês de janeiro, em Davos, Suíça, que Gill Pratt, cientista-chefe da Toyota, efetuou uma (pequena) apresentação, suportada por estudos e… matemática, que demonstra que uma abordagem multifacetada é aquela que garante resultados positivos mais rápidos.

Gill Pratt, cientista-chefe da Toyota, no Fórum Económico Mundial, em Davos, 2023
© Toyota Gill Pratt, o cientista-chefe da Toyota, inspirou-se na sua experiência pessoal para aprofundar a pesquisa à volta das baterias. O Tesla Model X da sua família conseguia 480 km por carga, mas por dia não fazia mais do que 50 km, levando-o a concluir que 90% da bateria era peso morto.

E Pratt justifica a abordagem da Toyota com a escassez de matérias-primas. Não porque o planeta tem falta delas, mas sim porque a nossa capacidade de extraí-la e transformá-la não está a crescer ao ritmo da procura.

O cientista-chefe da Toyota usou o lítio como exemplo, mostrando os resultados de vários estudos que prevêem um crescimento da procura sempre superior ao crescimento da oferta (previsões até 2040), verificando-se ainda que o intervalo entre procura e oferta não parará de dilatar — ou seja, não teremos lítio suficiente para fazer todas as baterias que serão precisas.

Isto apesar de estarem já planeadas a abertura de muito mais minas, mas como ele afirma: “(…) leva apenas dois ou três anos a abrir uma nova fábrica de baterias, mas pode levar 10-15 anos para abrir uma nova mina. Vai haver um atraso no estabelecimento de toda a infraestrutura mineira.”

Baterias CATL a serem fabricadas
© CATL Linha de produção de baterias da CATL

Esta escassez não se resume ao lítio; também o níquel e o manganês, dois dos mais importantes «ingredientes» de uma bateria, estão sob forte pressão.

A falta destas matérias-primas poderá não só limitar a capacidade da indústria automóvel em produzir todos os veículos elétricos que prevê fazer, como fará o preço das baterias subir — como aconteceu o ano passado —, o que terá consequências no preço dos veículos e, logo, ter um impacto na sua procura.

“Temos, de alguma forma, reduzir as emissões de CO2 o máximo possível e o mais breve possível, apesar de haver uma escassez tremenda e continuaremos a ter uma escassez tremenda em materiais para as baterias. Como podem imaginar, é um desafio enorme.”

Gill Pratt, cientista-chefe da Toyota

Além da escassez de matérias-primas, Pratt prevê outro problema no horizonte referente ao crescimento insuficiente da infraestrutura de carregamento de veículos elétricos, o que levará a um «engarrafamento» inevitável na produção e na adoção em larga escala de elétricos na próxima década.

Vamos a contas

Perante a escassez prevista de matérias-primas, Gill Pratt insiste em reorientar o tópico da discussão para como deveremos distribuir esse recurso limitado nos próximos anos, de modo a maximizar o seu potencial na desejada redução das emissões de CO2.

Nesse sentido elaborou um modelo que tem como ponto de partida uma frota de 100 veículos equipados apenas com motores de combustão interna.

Neste cenário estabelece que cada veículo dessa frota de 100 veículos a combustão emitem, em média, 250 g/km de CO2 (com base em todo o ciclo de vida do veículo, incluindo não só o uso, como a produção).

Toyota bZ4X
© Toyota A Toyota não está contra os elétricos — o bZ4X é o primeiro de uma nova família de modelos 100% elétricos —, mas alerta para não colocar os «ovos todos no mesmo cesto».

De seguida ele assume que tem disponível apenas uma quantidade limitada de lítio, o suficiente para fazer 100 kWh de baterias.

Caso esses 100 kWh fossem usados para fazer apenas uma bateria que equiparia apenas um veículo 100% elétrico, com os restantes 99 veículos da frota a permanecer só a combustão, a emissão média de CO2 por veículo da frota desceria das 250 g/km para as 248,5 g/km.

Mas se esses 100 kWh fossem repartidos por baterias mais pequenas de 1,1 kWh, daria para equipar 90 veículos híbridos, o que permitiria reduzir as emissões médias de CO2 por veículo desta frota de 100 veículos para 205 g/km (assumindo uma redução de 20% das emissões de CO2 dos híbridos relativamente aos veículos a combustão).

Gill Pratt, cientista-chefe da Toyota, durante a apresentação no Fórum Económico Mundial, em Davos, 2023
© Toyota

Ou seja, o que Pratt demonstra é que, de forma contraintuitiva, uma grande frota de híbridos (gasolina + elétrico) permite uma redução maior das emissões de CO2 do que uma pequena frota de elétricos, tendo em consideração a premissa de escassez de matérias-primas para fazer baterias.

“O tempo vai demonstrar que o nosso ponto de vista é o correto. De uma forma ou outra, haverá uma diversidade de cadeias cinemáticas a ser usadas pelo mundo fora.”

Gill Pratt, cientista-chefe da Toyota

Discussão tem de amadurecer

Gill Pratt defende, por isso, que neste período de transição, em que assistiremos a uma escassez de matérias-primas e onde em muitas partes do mundo a infraestrutura de carregamento é inexistente (e não haverá ou será muito limitada a médio-longo prazo), não se feche a porta a outras soluções na missão de redução das emissões.

O cientista-chefe da Toyota liga o entusiasmo atual pelos elétricos a bateria, ao entusiasmo de há uns anos pelos veículos autónomos. “É demasiado otimista”, disse, citando a Lei de Amara, que diz que os humanos sobreestimam o efeito de uma tecnologia a curto prazo e subestimam o seu efeito a longo prazo.

É preciso ter uma “discussão madura”, afirma, ao invés de uma discussão sobre uma “espécie de sonho”. Gill Pratt deixa ainda um recado à própria indústria:

“Acho que aquilo que é preciso é um pouco mais de sinceridade dos fabricantes automóveis, tanto para o público como para os legisladores”.

Gill Pratt, cientista-chefe da Toyota

A apresentação completa de Gill Pratt no Fórum Económico Mundial:

Fonte: Automotive News