Notícias Volvo a caminho de mais recordes nas mãos da chinesa Geely

Reportagem

Volvo a caminho de mais recordes nas mãos da chinesa Geely

Estivemos no centro de I&D e no estúdio de design (ambos em Xangai) e na fábrica de Taizhou para ver de perto no que se transformou a Volvo Cars.

Volvo C40 na linha de produção em Thaizou, China
© Volvo

Muito mudou no mundo e na Volvo desde que o primeiro carro da marca sueca saiu da linha de montagem de Torslanda, em Gotemburgo, em 1927.

No final da década de 90 e início deste século, depois de anos ameaçada pela sucessão de prejuízos, a Geely adquiriu a Volvo em 2010, tendo injetado o capital necessário para que a marca renascesse e mantivesse os seus genes suecos intactos. Entre eles, o da segurança, que tem acompanhado a Volvo praticamente desde sempre.

Volvo XC90 na estrada, frente 3/4
© Volvo Volvo XC90, segunda geração. Marcou o início de uma nova era na Volvo, já nas mãos da Geely

“Os carros são guiados por pessoas. Por isso, os princípios de orientação de tudo o que fazemos na Volvo tem que ser sempre um: a segurança.”

Assar Gabrielsson e Gustav Larson, diretor geral e técnico, criadores da Volvo, 1927

Resultados à vista

Fomos a Xangai, China, ver os resultados de mais de uma dúzia de anos desta nova Volvo nas mãos do grupo Geely que não para de crescer — além da Volvo, tem a Polestar, Lynk & Co, Lotus, LEVC (faz os táxis londrinos), Zeekr, participações na Aston Martin e é dona de metade da Smart.

Li Shufu, o «patrão» da Geely conta ainda com uma importante parcela na Mercedes-Benz. Fiquem a conhecer melhor a extensão do crescente império:

Desde que foram injetados capitais chineses na empresa, mas mantendo a liderança europeia, a ascensão da Volvo tem sido palpável.

Renovou toda a sua gama, começando pelas maiores (90 e 60), tendo desenvolvido uma nova plataforma (SPA) para o efeito. Tão cedo como em 2015, já vendia mais meio milhão de automóveis pela primeira vez nos seus 89 anos de vida.

Ao mesmo tempo, a estratégia de redução do impacto ambiental ganhou força, começando por eletrificar parcialmente toda a sua gama tão cedo como em 2019 e em 2021 já anunciava que todos os seus modelos seriam 100% elétricos em 2030.

100% elétrica em 2030
Este ano a quota de venda de elétricos na marca deverá ser de 16% e os objetivos apontam para que em 2025 seja de 50% — nos próximos dois anos a transformação deverá acelerar significativamente para alcançar essa meta. Em 2030 deveremos ter uma Volvo totalmente elétrica.

Para isso, a performance no mercado chinês será fundamental: em 2030, as previsões apontam para que as vendas de elétricos na China alcancem 16,5 milhões de unidades (mais do que a totalidade do mercado europeu) ou o equivalente a 60% do total do mercado.

Jim Rowan, Volvo EX30 Cross Country
© Volvo Jim Rowan, diretor executivo da Volvo Cars, com o novo Volvo EX30 Cross Country

Esta estratégia de acelerar a transformação da Volvo Cars para uma marca exclusivamente elétrica não afetou os resultados da empresa: foram alcançados recordes históricos de vendas consecutivamente durante oito anos.

Em 2019 foi superada, pela primeira vez, a barreira das 700 mil unidades (705 492 unidades, exatamente). E, apesar dos desafios geopolíticos que a humanidade tem enfrentado, 2023 deverá ficar na história da marca sueca com um novo máximo de matrículas à escala global.

“Mas não por muito tempo”, como me diz Jim Rowan durante uma interessante conversa no quartel-general da marca em Xangai, o presidente em funções há pouco mais de ano e meio.

“Quando fizemos a entrada na bolsa de Estocolmo (em outubro de 2021) dissemos que chegaríamos a 1,2 milhões de carros/ano em meados da década e tencionamos cumprir esse plano.”

Jim Rowan, diretor executivo da Volvo

Uma lança na Ásia

Estes objetivos só se tornaram possíveis com a total revolução da organização da empresa que, atualmente, podemos afirmar que tem uma gestão bicéfala, entre Gotemburgo e Xangai.

Joaquim Oliveira no interior do EM90
© Razão Automóvel Não resistimos a sentarmo-nos no interior de luxo do novo EM90, o primeiro MPV da marca sueca, na nossa deslocação a Xangai

Atualmente dispõe de 40 mil funcionários nos seus quadros, distribuídos por seis fábricas à escala global — em Gotemburgo (Suécia), Ghent (Bélgica), Carolina do Sul (EUA), e as chinesas Chengdu, Daqing e Taizhou. Na China a Volvo produz para o mercado local os XC60 (Chengdu), o S90 e S60 (Daqing) e o XC40 e C40.

Comercialmente a marca sueca está implementada em 160 cidades chinesas onde possui 298 concessionários, 25 dos quais nos grandes centros urbanos deste gigantesco país de 1,4 mil milhões de habitantes.

A melhoria das condições económicas deste território permitiu que se tornasse o maior mercado automóvel do mundo, com cerca de 25 milhões de veículos matriculados por cada ano.

Gráfico que mostra evolução da Volvo na China
© Razão Automóvel Evolução da Volvo na China desde 2010 até 2022

A atração do povo chinês por tudo o que é eletrónico e digital leva à sua liderança neste setor. “Ainda assim”, detalha Bjorn Annwall, diretor comercial da Volvo, “existe uma grande margem de crescimento do mercado porque na China o rácio é de 220 automóveis por 1000 habitantes” (como comparação, Portugal tem quase 640/1000).

“(…) 40% dos compradores de automóveis premium têm menos de 35 anos (vs 14% nos EUA), e a sua idade média é de 36 anos (50 nos EUA e 56 na Europa).”

Bjorn Annwall, diretor comercial da Volvo

Por regiões, a Europa é o maior mercado da Volvo, mas analisando por países, a China é o mercado número um (com 25% do total dos Volvo vendidos globalmente), seguido pelos EUA (17%), Reino Unido e Suécia (7% cada) e pela Alemanha (6%).

Desafios no mercado chinês

O aparecimento de muitos concorrentes domésticos que, à boleia da eletrificação do automóvel, reclamam para si o estatuto de marca premium em poucos anos, confunde muitos consumidores.

É o que me explica o responsável máximo de vendas: “é fácil anunciar o estatuto de marca premium, muitos o fazem ao fim de muito pouco tempo, mas não é possível provar que isso seja, de facto, realidade porque a herança tecnológica, o ADN da marca e o know-how tecnológico é algo que não se adquire da noite para o dia”.

“Em muitos casos estão a fazer dumping (vender os produtos abaixo do seu custo de produção) nos preços dos veículos para conseguirem quota de mercado (…), mas na Volvo não enveredamos por essas práticas, porque estamos aqui para ficar durante muitos e bons anos.”

Bjorn Annwall, diretor comercial da Volvo

Ainda assim, os números de vendas dos primeiros nove meses de 2023 refletem esse «ruído» no mercado chinês: a Volvo cresceu apenas 5% neste mercado — ficará aquém das 200 mil unidades por ano que tinham sido previstas —, contra incrementos de vendas de 24% na Europa e 26% nos EUA, face ao período homólogo do ano anterior.

Mundos «irmanados»?

Parece existir uma forte harmonia nos processos de trabalho e estratégia geral dentro das fileiras sueca e chinesa na Volvo.

Isto, apesar da agitação causada pelas sucessivas alterações nos quadros superiores da Volvo nos últimos dois anos: a começar pelo novo diretor executivo Jim Rowan (vindo da Dyson) e acabar na saída de Henrik Green da posição de diretor de tecnologia avançada (depois de ter sido promovido seis vezes nos últimos oito anos e ser apontado como um forte candidato ao lugar de CEO da empresa).

Além de ter um novo diretor global de design em Jeremy Offer (outro outsider que não vem da indústria automóvel) em substituição de Robin Page, que desempenhava a função até então.

Volvo EM90 cinzento, de frente
© Volvo Volvo EM90

Javier Varela, diretor de operações da Volvo, discorda quando lhe pergunto se estas alterações têm que ver com a total conversão da marca à propulsão elétrica, relativizando a sua importância:

“São alterações normais na vida de qualquer empresa, dentro e fora do setor automóvel, e acabam por ser impulsos de crescimento e de evolução… podem suceder várias em poucos meses e depois passar uma década sem que voltem a acontecer”.

Javier Varela, diretor de operações da Volvo

Por dentro do centro de I&D (Investigação e Desenvolvimento)

Nesta visita ao centro de I&D da Volvo, o seu diretor Hans Lindh explicou a importância destas que “são as únicas instalações de engenharia completa (…) ou seja, com a capacidade de desenhar e produzir por completo novos automóveis.

Com 65 000 m2 e mais de 800 engenheiros a trabalhar aqui diariamente, este centro de Xangai foi inaugurado em 2010 e o primeiro Volvo a ser aqui desenvolvido foi a versão longa da berlina S60, que passou depois a ser fabricado em Chengdu.”

Foram aqui desenvolvidos de raiz uma dezena de modelos e atualmente há 24 projetos a decorrer — Um dos principais projetos liderados por este centro foi a plataforma SPA2, que serve de base ao iminente SUV EX90.

Para esse objetivo trabalham vários laboratórios, como o de baterias e de motores elétricos, por exemplo. O conjunto destes laboratórios ocupa uma área de 32 000 m2 e nele trabalham mais de 200 pessoas.

Durante a visita que efetuámos às instalações deu para perceber que está concluída a conversão das atividades de I&D em tecnologias de motores de combustão, não havendo qualquer motor a ser testado, nem fumos/emissões em nenhum dos espaços interiores ou exteriores por onde passámos.

“(…) todas as nossas atividades estão focadas em motores elétricos, baterias — incluindo um projeto de baterias em estado sólido —, motores elétricos, software, etc.”

Hans Lindh, diretor do centro R&D da Volvo

E mesmo os híbridos plug-in já não estão a ser alvo de desenvolvimento, apenas existindo porque a infraestrutura de carregamento (local) continua a ser insuficiente face as exigências.

Por outro lado, está neste momento a ser criada uma linha de montagem de baterias, que se espera poder estar a funcionar durante o ano de 2024.

Um dos fatores mais importantes para o trabalho diário neste centro de I&D é a semelhança de processos e mesmo da configuração de vários departamentos relativamente ao que existe em Gotemburgo, como esclarece uma vez mais o diretor deste centro.

À pergunta de como conseguem lidar com a diferenças horárias e não terem que estar sempre à espera de respostas do outro lado do mundo, Lindh explica que se “definiu um horário em que a Europa e a China estivessem acordadas”.

A fábrica de Taizhou

Inaugurada em 2017 pela Geely, Taizhou (na província de Zhejiang) passou para as mãos da Volvo em 2021, tendo passado a ser dirigida por um sueco, Mikael Vessin, a partir de então.

Dispõe de áreas de carroçaria, pintura, prensagem, montagem de baterias e linha de montagem final, estando a ser instalada uma área de produção de motores elétricos.

Tem capacidade de produzir 150 mil carros por ano, mas de momento está a trabalhar apenas num turno, durante o qual são montados os modelos C40 Recharge, XC40 Recharge e Polestar 2. Com uma área total de 734 000 m2, emprega 1900 pessoas e é alimentada por eletricidade «verde».

Tem um total de 472 fornecedores, dos quais 225 são domésticos e fisicamente situados no mesmo distrito.

Mikael Vessin, o diretor de Taizhou, explica-nos que “os índices de qualidade são muito elevados, com números de defeitos por mil veículos melhores ou iguais aos das fábricas da Volvo nos EUA e na Europa”.

Os objetivos de redução do impacto ambiental são de uma diminuição de 40% das emissões de CO2 por veículo fabricado em 2025 face a 2018. Estes objetivos desta unidade industrial enquadram-se num contexto global de redução de emissões por veículo em 75% até 2030 (vs 2018) na Volvo.