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Europa pode banir fibra de carbono dos carros até 2029

Outrora olhado como um aliado para tornar os carros mais eficientes, a fibra de carbono pode ter os dias contados na União Europeia.

Lamborghini chassis rolante do Revuelto
© Lamborghini

A fibra de carbono pode estar prestes a perder o estatuto de material nobre da indústria automóvel. A União Europeia está a considerar uma alteração à diretiva relativa ao fim de vida dos veículos (End-of-Life Vehicles Directive), que poderá classificar a fibra de carbono como substância perigosa. 

Se a proposta for aprovada, o seu uso em novos automóveis será interdito a partir de 2029. Uma péssima notícia para os carros desportivos e 100% elétricos que tinham neste material um aliado no combate ao peso e às emissões.

Proibir a fibra de carbono porquê?

De acordo com os reguladores europeus, os riscos ambientais e de saúde associados à reciclagem e eliminação da fibra de carbono justificam esta medida.

McLaren arquitetura 2021
A monocoque em fibra de carbono do McLaren Artura. A McLaren Automotive, desde a sua génese, é definida pelas suas monocoques em fibra de carbono.

Durante o processo de desmantelamento, as finas fibras de carbono podem tornar-se voláteis, provocar irritações cutâneas, afetar as mucosas e até revestimentos de órgãos. Além disso, por serem condutivas, podem causar curto-circuitos em maquinaria usada na reciclagem, representando um perigo adicional para os trabalhadores.

Se for mesmo adiante, a fibra de carbono passará a figurar ao lado do chumbo, mercúrio, cádmio e crómio hexavalente na lista de substâncias restringidas da União Europeia. No entanto, o caminho legislativo ainda é longo: a proposta terá de passar pela Comissão Europeia, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia antes de se tornar lei.

Um golpe no coração dos supercarros

As implicações para a indústria automóvel são tudo menos negligenciáveis. Marcas de luxo, construtores de modelos de elevadas prestações e fabricantes de automóveis elétricos — que apostam na fibra de carbono para conter o peso e aumentar a eficiência — poderão ter de rever os seus planos.

Mais do que um simples material leve e resistente, a fibra de carbono tornou-se um símbolo de engenharia sofisticada. Basta ver a importância que assume em superdesportivos como os da McLaren, Koenigsegg ou Pagani — e, mais recentemente, até em modelos com ambições mais ecológicas.

Perdas avultadas na economia

O mercado global de fibra de carbono, avaliado em 5,48 mil milhões de dólares, deverá atingir os 17,08 mil milhões em 2035. Um crescimento que poderá ser travado, ou pelo menos seriamente afetado, por esta nova posição de Bruxelas.

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Os dados foram publicados no Relatório de Mercado Global da Fibra de Carbono da Precedence Research, uma empresa de análise de mercado internacional.

Para os fabricantes japoneses — nomeadamente a Toray Industries, Teijin e Mitsubishi Chemical — que dominam mais de metade do mercado mundial (52%), o cenário é particularmente preocupante.

Pagani e o momento em que tudo mudou

A história da fibra de carbono nos carros de produção dava uma filme. Italiano, naturalmente.

Nos anos 80, Horacio Pagani, então engenheiro na Lamborghini, liderava o desenvolvimento do Countach Evoluzione — um protótipo radicalmente leve, construído com painéis em fibra de carbono, que anunciava uma nova era para os supercarros. Pesava cerca de 500 kg a menos que o Countach de produção, era mais rápido e mais eficiente.

Pagani acreditava que o futuro da performance passava inevitavelmente pelos materiais compósitos. Pediu à administração da Lamborghini que investisse numa autoclave para produzir peças em fibra de carbono. A resposta foi negativa. A justificação? Se a Ferrari não usa, nós também não precisamos de usar.

O que se seguiu foi, ironicamente, a validação de tudo aquilo em que Pagani acreditava. Em 1987, a Ferrari apresentava o F40, o primeiro carro de produção em série a recorrer extensivamente a materiais compósitos — com painéis em fibra de carbono, kevlar e nomex —, e um peso total abaixo dos 1100 kg. A Lamborghini percebeu o erro. Horacio Pagani tinha razão.

Horácio Pagani estava tão convencido que o futuro era fibra de carbono que vendeu tudo, contraiu um empréstimo pessoal e comprou a autoclave que a Lamborghini recusou. Nascia assim a Pagani Composite Research, a incubadora da Pagani Automobile. 

Pagani Zonda C12
© Pagani Em 1999 foi lançado o Pagani Zonda C12, construído em torno de um monocoque em fibra de carbono e com uma atenção ao detalhe que poucos, mesmo entre os grandes, conseguiam igualar.

Para lá dos automóveis

Embora os automóveis representem apenas entre 10% a 20% do total de aplicações de fibra de carbono, o impacto de uma proibição neste setor pode criar um efeito dominó. 

A aviação civil e a indústria eólica — onde este material é fundamental para componentes de aeronaves e pás de turbinas — podem ser os próximos alvos de regulação.