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Olha sem mãos! Experimentámos a tecnologia de condução autónoma Drive Pilot da Mercedes

Fomos a Berlim experimentar o Drive Pilot da Mercedes-Benz, o primeiro sistema de condução autónoma de Nível 3 a ter certificação internacional.

Mercedes-Benz Classe S com Drive Pilot

A Mercedes-Benz acaba de ser tornar o primeiro fabricante de automóveis a ver aprovada a sua tecnologia de condução autónoma de Nível 3, denominada Drive Pilot, na Alemanha (no imediato) e quase seguramente em dois estados norte-americanos (Nevada e Califórnia) ainda antes do final deste ano.

O que quer dizer que se adiantou à BMW (que tentou o mesmo em 2022), à Audi (anunciou o Nível 3 para o A8 em 2020, mas não conseguiu a certificação) e à Tesla (FSD ou Full Self Driving, apesar do nome, é apenas apenas Nível 2).

Esta permite que um carro se “conduza a si mesmo” — acelera e trava, direção, mas sem mudar de via — em autoestrada a velocidades até 60 km/h em situações de tráfego denso ou para-arranca.

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Mercedes-Benz Classe S

Fomos até Berlim, Alemanha, para testar o Drive Pilot, sistema que já se encontra disponível, como opcional, tanto no Classe S como no EQS.

“Chegada à lua”

É mais um pequeno passo neste longo caminho até chegarmos aos carros que se guiam totalmente sozinhos em todo o tipo de estradas (carros-robô) e talvez, por isso mesmo, o o pouco emotivo diretor técnico da Mercedes-Benz, Markus Schaefer, se enche de orgulho quando afirma “conseguimos aterrar na lua”.

E a satisfação com o dever cumprido até resulta mais do facto de ser um desiderato realmente complexo a nível técnico do que propriamente da antecipação às suas grandes rivais, ainda que, também por aqui, exista também um natural regozijo.

O reconhecimento da Autoridade Federal de Transporte Motorizado da Alemanha emitiu, então, essa primeira autorização segundo os requerimentos de segurança internacionalmente harmonizados para um veículo poder circular de forma autónoma na sua via de rodagem (Automated Lane Keeping Systems ou ALKS), segundo a definição das Nações Unidas (UN 157).

Mercedes-Benz EQS
Drive Pilot também pode ser adquirido no EQS.

Pode até não parecer um grande progresso, mas todos os especialistas neste setor reconhecem que a transição do Nível 2 — que muitos automóveis já conseguem atualmente — para o Nível 3 é gigantesca.

Afinal, o condutor delega a sua missão na tecnologia, o que tem um importante conjunto de consequências, especialmente em termos de responsabilidade, porque se o veículo estiver a deslocar-se autonomamente e causar um acidente, o culpado é o seu fabricante, não o condutor humano.

O sistema Drive Pilot da Mercedes-Benz começou a ser vendido em maio, opcionalmente, em ambos os topos de gama da marca da estrela, o Classe S e o seu homólogo elétrico EQS, com um preço de 5000 euros no primeiro e de 7430 euros no segundo (porque acrescem, neste caso, os 2430 euros para o pacote de assistência ao condutor Plus, já incluído de série no Classe S).

Mas, tal como me explica Martin Hart, um dos engenheiros que desenvolveu o projeto, “infelizmente o sistema não pode ser «injetado» nos Classe S já vendidos da atual geração”, o que poderá provocar algum desagrado entre os clientes, mesmo sendo totalmente lógico “por não se tratar apenas de um software novo, mas também de importantes componentes de hardware”, justifica Hart.

Mais segurança e tempo para o condutor

E o que é que esse valor compra, podemos perguntar. Segundo os engenheiros alemães, “segurança e tempo, que é devolvido ao condutor”, o que é algo realmente inédito e que vai mudar algumas das atitudes que todos temos ao volante.

Condutor com telemóvel ao volante
Uma cena comum num futuro próximo, sem ser considerada infração?

Uma delas tem que ver com o que muitos de nós fazemos atualmente ao pesquisar as condições do trânsito em tempo real, no Google por exemplo, normalmente para ver se existe alguma zona vermelha ou laranja na autoestrada (quase sempre sinal de que há um acidente/incidente ou em hora de ponta) e, assim, podermos procurar alternativas.

“Durante os milhões de quilómetros de testes de desenvolvimento demos por nós a procurar essas linhas vermelhas ou laranja, sim, mas com a ideia de nos dirigirmos para elas e não de as evitarmos, porque só assim podíamos ativar o sistema Drive Pilot e poder assistir a vídeos no Youtube, usar um tablet ou simplesmente consultar emails e tornar o tempo mais útil do que quando estamos simplesmente a segurar no volante em marcha lenta”, comenta sorridente Taner Kandemir, gestor de Funções de Cliente do Drive Pilot.

Ver as notícias ao volante
Uma distração possível num cenário de condução autónoma.

Com (muito) menos experiência ao volante do Classe S com Drive Pilot do que os responsáveis pelo seu desenvolvimento — na verdade fiz um trajeto de autoestrada de 27 congestionados quilómetros que demorou cerca de uma hora, no troço de autoestrada da saída do centro de Berlim até ao novo aeroporto da capital alemã —, deu para perceber que os engarrafamentos em autoestradas deixarão de ser algo tão receado no futuro, a não ser para quem tem um prazo muito rígido de chegada ao destino ou, claro, para quem tem motorista… humano.

Nos restantes casos, o tempo pode ser aproveitado, mesmo para quem está sentado atrás do volante.

Só em autoestrada, até 60 km/h

O sistema só está operacional nos quase 13 200 km de autoestradas alemãs, de momento, não estando operacional, por enquanto, na cidade.

“Provavelmente só quando chegarmos ao Nível 5 isso seja possível”, antecipa Taner Kandemir, que admite que “o Nível 4 poderá aumentar a velocidade a que o Drive Pilot funciona, até aos 120 km/h ou 130 km/h, e que o veículo seja autorizado a mudar de via de rodagem de forma autónoma, mas estas são meras conjecturas, já que o quadro legal não está ainda definido”, sublinha.

Drive Pilot
Drive Pilot pronto a funcionar.

Mas para além de não estar ativo acima de 60 km/h, mesmo em autoestradas, há outras situações em que o Drive Pilot está inibido de funcionar: “quando a temperatura ambiente é inferior a 4 ºC e/ou quando a estrada está molhada — para que não sejam necessárias mãos humanas para “gerir” faltas de aderência —, dentro de túneis e em zonas de obras sinalizadas”, esclarece Kandemir.

No momento em que a marcha lenta de carros em autoestrada coloca o «meu» Classe S numa velocidade elegível para o Drive Pilot acende-se uma luz branca e um “A” da mesma cor na instrumentação, bastando carregar num dos botões que existe em cada lado na parte superior do aro do volante e a máquina toma conta da direção (sempre na mesma via), acelerador e travão. Se não estiverem reunidas as condições, surge uma frase a avisar sobre isso mesmo: “não é uma estrada adequada para o sistema Drive Pilot”.

No Nível 3 de condução autónoma o condutor não define a velocidade do carro nem a distância para o carro da frente — ao contrário do que acontecia com o sistema de controlo inteligente de velocidade de cruzeiro do Nível 2 — e é o Drive Pilot que fazer essas definições.

Alérgico a obras

Um pouco mais à frente há obras e surgem instruções a amarelo na instrumentação dos metros que faltam até isso acontecer, em contagem decrescente da distância.

Depois, sinais vermelhos a piscar também na instrumentação para que o condutor volte a assumir o comando do veículo: se não o fizer, ao fim de 10 segundos, o carro é levado autonomamente até chegar a uma zona segura — aos quatro segundos o cinto é puxado para «despertar» o condutor —, sem mudança de via, os intermitentes são ativados e é feita uma chamada para os serviços de emergência.

Isto porque o Drive Pilot assume que o condutor teve algum problema de saúde, que possa justificar a sua não intervenção: “não desativamos o sistema ao fim desses 10 segundos, em que se espera uma resposta humana, por uma questão de segurança”, explicam os engenheiros alemães, que são meus companheiros de viagem para ajudarem a descodificar o que vai sucedendo.

Se o condutor estiver inconsciente, esses serão os segundos que tardam até o carro ser levado para uma zona que não seja perigosa e que a tecnologia tem que ser capaz de assegurar o controlo não monitorizado sobre a deslocação do veículo.

Ou seja, posso fazer chamadas no meu telemóvel, ler os meus emails — ainda que a Mercedes-Benz não aconselhe, já que se houver um acidente e os airbags dispararem, podem embater no dispositivo e causar ferimentos no condutor —, jogar um jogo no sistema de infoentretenimento do carro e até ver vídeos ou um filme, desde que esteja em condições de ir monitorizando o funcionamento do Drive Pilot e de atuar caso seja necessário.

“É por isso que todos os sensores e câmaras também no interior são determinantes para, por exemplo, não deixar que o condutor feche os olhos ou algo obstrua a sua vista da estrada à frente durante muito tempo. Ou que o banco do condutor não esteja demasiado afastado dos pedais e volante, porque o condutor tem que ser capaz de voltar a colocar o mesmo numa posição em que em que lhes consiga chegar em menos de 1,5 segundos”.

Martin Hart, engenheiro Drive Pilot, Mercedes-Benz

As luzes utilizadas na instrumentação são muito importantes para ajudar o condutor a ter a percepção do que pode ou do que deve fazer. O tom branco é usado para indicar que o sistema está operacional, o tom turquesa quando o Drive Pilot está a controlar o movimento do carro (não é usado em mais nenhuma outra função do veículo), tom amarelo quando se aproxima uma zona em que o condutor tem que reassumir a sua função e vermelho quando esse momento chegou.

Drive Pilot em funcionamento
Luz amarela? Altura do condutor voltar a assumir o comando.

Tudo funciona de forma bastante fluida e quando travamos o Drive Pilot é desativado, e quando aceleramos o sistema fica em modo de suspensão.

Salto enorme do poder de computação

O aumento do poder de computação é enorme na passagem do Nível 2 (que já vai na sua 5.ª geração) para o Nível 3 da condução autónoma.

Hart explica que “o carro usado nos testes de desenvolvimento tinha uma capacidade contínua de gravação de dados de 2,9 GB por minuto, podendo a mesma ser elevada até 34 GB/min em situações de pico (…)”.

Relativamente ao Nível 2, no Nível 3 foi acrescentado um segundo LIDAR, um sensor de humidade do piso, um mapa de alta definição e quase todos os demais sensores e câmaras têm capacidade superior, para chegar ao nível necessário de computação.

Drive Pilot, sensores
O arsenal de sensores para garantir o Nível 3 de condução autónoma.

“É por isso que nos fabricantes de automóveis tradicionais estes processos demoram mais tempo”, justifica Markus Schaefer que, ao contrário de Elon Musk, considera que os sistemas baseados em câmaras não serão suficientes para os carros-robô do futuro e que os sensores LIDAR serão a solução.

“A redundância é importante e pelo menos dois circuitos devem estar permanentemente a monitorizar tudo o que existe à volta do veículo”.

Markus Schaefer, diretor técnico da Mercedes-Benz

Opinião logo secundada pela sua equipa de engenheiros de desenvolvimento: “tudo tem que ser antecipado, previsto e o Drive Pilot deve ser capaz de funcionar com um mínimo de 10 satélites em simultâneo (GPS americano, Galileo europeu e Glonass russo)… depois há os diferentes tipos de marcações na estrada, sinais de trânsito diferentes consoante a região do planeta, até mesmo os sons que os veículos de emergência emitem são distintos… é muita informação para processar…”.

E para assegurar que o Drive Pilot está sempre atualizado e protegido, para além do Regulamento UN 157, o desenvolvimento contemplou ainda a integração das normas UN-R 155 (cibersegurança) e 156 (atualizações de software).

Para quando em Portugal?

Segundo os engenheiros da Mercedes-Benz, é uma questão de alguns anos, como confirma Christoph Hoehmann, diretor de Conformidade Técnica do Software em Condução Autónoma na Mercedes-Benz: “tecnicamente não existem problemas para que o Drive Pilot possa ser usado noutros países europeus, porque a parte mais difícil está feita, que é a da certificação.”

“Agora bastará discutir o assunto a nível de cada governo e também da União Europeia e, havendo vontade política, acrescentar duas ou três frases à legislação, uma das quais a autorizar que o condutor possa fazer, a espaços, outra coisa no carro para além de o conduzir. Foi o que foi feito na Alemanha em 2017, quando a lei mudou para que isso fosse possível”, concluiu.

Para que esse enquadramento legal possa acontecer, será fundamental os outros países, como Portugal, estarem atentos ao que se vai passando com os casos reais de utilização na Alemanha desde o passado dia 17 de maio, quando o Drive Pilot foi colocado à venda naquele país.

As evidências, por confirmar, de que se trata de um sistema totalmente seguro para os utilizadores da via pública irão acelerar esse caminho, o contrário terá o efeito de atrasar inevitavelmente o lançamento das tecnologias de Nível 4 e, posteriormente, Nível 5, a que poderemos chamar os verdadeiros carros-robô.