Opinião Entre a espada e a parede. Europa, tarifas e a China

Mercado

Entre a espada e a parede. Europa, tarifas e a China

A UE vê cada vez mais os elétricos chineses como uma ameaça e já tomou medidas. Porém, serão estas suficientes para travar a sua «ascensão»?

MG4, frente
© MG

Desde que a ameaça chinesa começou a pairar sobre a indústria automóvel europeia, como uma espada de Dâmocles, que se começaram a ouvir vozes a reclamar paridade na aplicação de tarifas sobre os carros feitos na China e montados na Europa.

Lembro-me bem de Carlos Tavares, o diretor-executivo da Stellantis, comentar, em entrevistas e mesas redondas em que participei, que não fazia sentido os carros europeus pagarem até 25% de tarifas para poderem ser vendidos na China e, no sentido inverso, os veículos chineses serem taxados apenas a 10%.

É difícil rebater este argumento. No entanto, ele só começou a ganhar força quando os carros chineses passaram a merecer a preferência do comprador de automóvel mais exigente do mundo: o europeu. Antes, eram considerados pedaços de latas mal acabadas, com designs risíveis (ou cópias descaradas dos homólogos europeus), cujos restos eram devolvidos aos seus fabricantes em sacos de plástico, depois de serem submetidos aos testes de colisão europeus.

MINI Cooper 5 portas dianteira
© MINI A MINI, do Grupo BMW, foi uma das mais beneficiadas com a redução das tarifas sobre os elétricos produzidos na China — Cooper e Aceman. A taxa foi reduzida de 37,6% para 21,3%.

Não tardou muito para que a Comissão Europeia (CE) tivesse enviado as suas tropas para lá da Muralha. Nove meses mais tarde, no início de julho, foram anunciados os resultados das investigações que desequilibravam a nossa indústria e a deles, especialmente nos elétricos: financiamento com juros «de amigos», injeções de capital por parte de Pequim, oferta de terrenos, baterias adquiridas a preço de custo (por parte dos consórcios estatais SAIC e Geely) ou com preços das matérias-primas (especialmente o lítio) «vigiadas» estatalmente (no caso da BYD, que fabrica as suas baterias).

O documento de 208 páginas redigido pela CE não foi propriamente uma surpresa e expõe muito daquela que foi a estratégia de Pequim, que começou a ganhar força em 2010, quando os governantes do mercado automóvel chinês meteram mãos à obra para estender esse domínio também à produção.

Quem já foi à China ou tem estado atento à evolução daquela economia e de toda a sociedade nas últimas duas décadas, sabe bem da resiliência e empenho dos legionários dessa democracia musculada cuja ambição — e as conquistas — parecem não ter limite.

A questão de fundo prende-se com a essência da governação na China, que é transversal a todas as indústrias e a quase todos os setores da economia. Segundo alega a União Europeia (UE), Pequim tem um forte controlo sobre qualquer aspeto da atividade económica e força as empresas estatais a atuar como um braço que faz mover os interesses do estado em vez de zelar pela maximização dos lucros das empresas, que é o principal objetivo no mundo ocidental. É a aceitação de que os interesses superiores da nação justificam perder dinheiro para ganhar mercado. Tout court.

No relatório do início de julho, a CE estabeleceu diferentes tarifas tendo em conta os “níveis de contribuição” para a sua investigação. Penalizando, desta forma, os fabricantes que se mostraram menos cooperativos.

A SAIC (dona da MG) foi taxada em 36,3%, a Geely em 19,3%, a BYD em 17% e a Tesla em 9% (referindo os mais relevantes em termos de importação europeia). Isto já depois de algumas revisões, na sequência de novas negociações com cada um destes fabricantes, que protestaram pelas tarifas inicialmente definidas serem mais elevadas.

A SAIC queixou-se que foi mais castigada por ter uma maior penetração no mercado europeu, ao que a CE rebateu afirmando não ter sido prestada sequer a mínima colaboração. Os chineses ripostaram dizendo que não faz sentido que lhes seja pedida a fórmula química das suas baterias, e a Europa alega que nem recebeu resposta quando perguntou quantos carros elétricos eram vendidos na China. O habitual jogo do empurra-responsabilidades.

Depois das escaramuças negociais, a 30 de outubro estas tarifas provisórias aos elétricos produzidos na China passarão a ser definitivas (durante cinco anos), a não ser que uma maioria qualificada de 15 países europeus, representando 65% da população da UE, vote contra.

O que é pouco provável, mesmo que Hungria e Alemanha já tenham expressado a sua resistência à aplicação destas tarifas. Com especial foco nos fabricantes alemães Mercedes-Benz, Volkswagen e BMW que são contra as tarifas por temerem retaliação da China sobre os seus veículos vendidos nesse mercado, que é o de maior volume para as três à escala global.

Entenda-se como justa ou injusta esta imposição tarifária da UE, é previsível que estas tarifas possam arrefecer o crescimento exponencial da quota de mercado das marcas chinesas no nosso continente, dado que os carros deixarão de ser tão mais baratos do que os «não-chineses» — em cerca de 25%, segundo o instituto alemão Kiel para o Comércio Mundial.

Contudo, a Europa tem de aproveitar esta «prerrogativa» de cinco anos para acelerar os processos em que se atrasou: criação de uma cadeia de valor competitiva que permita que os carros elétricos possam, por fim, ser vendidos a preços que os europeus possam comprar.

Leia também: Itália e Stellantis em guerra aberta. Quem ganha com isto?

Caso contrário, não duvidemos que os chineses vão dar a volta ao texto, seja com uma maior abertura (por muito que isso seja contrário à sua genética…) que permita aliviar a sobretaxação da UE, seja através da instalação de fábricas na Europa — a Xpeng já está a estudar o assunto e em Itália querem receber a indústria chinesa de braços abertos.

Sabe esta resposta?
Que meio de transporte era o Hildebrand?
Oops, não acertou!

Pode encontrar a resposta aqui:

Hildebrand. A história do navio que naufragou e espalhou carros em Cascais