Opinião Honda e Nissan vai dar em casamento ou amizade colorida?

Indústria

Honda e Nissan vai dar em casamento ou amizade colorida?

O ano de 2024 terminou com o pré-anúncio de uma potencial fusão entre a Honda e a Nissan, mas será que vai mesmo para a frente?

Honda Civic Type R com Nissan Skyline GT-R
© Razão Automóvel

A situação na Nissan é delicada e os apuros remontam a 2018, desde que foi preso o seu até então todo-poderoso diretor-executivo Carlos Ghosn, que depois se evadiu para uma das suas pátrias, o Líbano (avesso a extradições), alegadamente escondido numa caixa para um instrumento musical.

E a situação tem vindo a agravar-se com quebras de vendas, prejuízos e perda da cotação em bolsa (35% só no último ano).

A tecnologia de propulsão elétrica está atrasada, as vendas na China (maior mercado automóvel do mundo) caem a pique e, com isso, agrava-se o problema de excesso de capacidade de produção instalada. Atualmente a taxa de utilização é de 65%, o que fica abaixo do indicador determinante exigido para uma boa saúde financeira do fabricante de 80%.

Nissan Qashqai 2024 - 3/4 de frente em estrada
© Nissan Nissan Qashqai

A Honda não vive tempos tão conturbados, tendo uma gama de automóveis mais alargada, tecnologia híbrida de qualidade que está a ajudar as vendas globais, alavancadas pela maior popularidade dos híbridos face ao estagnar dos elétricos, permitindo uma valorização atual da marca quase quatro vezes superior à da Nissan.

Não falta quem estranhe a razão de ser desta aproximação entre os fabricantes de automóveis n.º2 (Honda) e n.º 3 (Nissan) do Japão, para uma potencial fusão. Afinal, este impulso tem sido resistido por ambos ao longo de décadas, quando um ou os dois entravam em períodos de debilidade, própria ou conjuntural.

É claro que o volume acumulado de vendas — 3,8 milhões de Honda, mais 3,4 milhões de Nissan — permitiria criar um gigante automóvel mundial com mais de sete milhões de carros fabricados anualmente.

A estes poderão juntar-se depois 900 mil Mitsubishi, que também está a estudar uma entrada no possível consórcio, totalizando mais de oito milhões de unidades por ano, aproximando-se dos 11 milhões de unidades da Toyota, o maior fabricante de automóveis do mundo.

Honda Civic, perfil
© Thom V. Esveld / Razão Automóvel Honda Civic.

O próprio Toshihibo Mibe, presidente da Honda — a acontecer, será a marca dominante na fusão —deixou bem clara a ideia de que é um passo controverso quando, na conferência em meados de dezembro, respondeu à pergunta “porque razão a Nissan poderá ser a parceira certa?” de forma bizarramente sincera: “Essa é uma pergunta difícil…!”

Sr. Mibe, a pergunta não é difícil e é até muito óbvia; é a resposta que é muito difícil de encontrar…

Respostas possíveis

Existe uma suspeita generalizada de que o governo japonês, nos bastidores, está a funcionar como padrinho deste casamento «à antiga», em que nenhum dos nubentes parece especialmente entusiasmado com a ideia de unir os trapinhos.

Indústria Está prestes a nascer o terceiro maior grupo automóvel do mundo

Até se percebe: o país tem 60 000 empresas na indústria automóvel que gera praticamente 262 mil milhões de euros de receitas anuais, correspondendo a cerca de 7% do PIB (ano fiscal de 2023). E significa mais de cinco milhões de empregos (8% da força laboral do país, segundo a Associação de Fabricantes de Automóveis do Japão).

A confirmar-se, esse instinto casamenteiro terá sido fomentado pelo perigo iminente de que capital estrangeiro tome de assalto a mais débil das partes (Nissan), como já foi tentado pela Foxconn (maior produtora mundial de iPhones, de Taiwan).

A Nissan está ainda bastante exposta a marcas de automóveis chinesas com os bolsos cheios como a BYD ou a Geely, seduzidas pela ideia de adquirirem as fábricas nos EUA e também o seu know-how tecnológico.

No caso da Foxconn, a investida seria apenas uma repetição do que fez em 2016, quando ficou com os restos da outrora gigante eletrónica Sharp Corp., que sucumbiu ao avanço imparável das marcas de eletrónica de consumo chinesas (sobretudo televisões).

Para mais, a Foxconn tem hoje como diretor-executivo um dos administradores que a Nissan investiu nessa função após o êxodo hollywoodesco de Ghosn…

Juntos somos mais fortes?

As estimativas de proveitos financeiros desta hipotética fusão entre a Honda e a Nissan elevam-se a praticamente 180 mil milhões de euros de faturação anual e 19,5 mil milhões de euros em lucros.

Fica a dúvida de como lá chegar, quando têm gamas de modelos amplamente coincidentes no Japão (prevalência nos mini-carros, ou kei-cars), nos EUA (SUV, pick-up e marcas premium Acura e Infiniti) e Europa (ligeiros de passageiros no geral). Também sobrepõem-se tecnologicamente (motores a gasolina e híbridos).

O pequeno Honda N-Box, um kei-car, é o carro mais vendido no Japão.

Isto é o resultado de décadas de marcações cerradas feitas pelos respetivos departamentos de planeamento e Investigação & Desenvolvimento (I&D). Para mais, os seus principais mercados também sobrepõem-se: Japão, EUA, Europa e China.

Uma das premissas para que a Honda dê luz verde ao projeto é que a Nissan readquira algum do seu equilíbrio financeiro nos próximos meses (decisão deverá ser tomada até junho de 2025).

Será razoável, no entanto, esperar que o anunciado corte de 9000 empregos e redução da produção global em 20% (de cinco para quatro milhões de veículos) seja suficiente para reverter ou nivelar a posição dos pratos da balança financeira da Nissan?

É muito pouco tempo, a conjuntura é altamente desfavorável e seria preciso um milagre para que essa condição fosse cumprida. É tão improvável quanto o regresso de Carlos Ghosn a Yokohama — sede da Nissan —, talvez escondido dentro de um piano de cauda depois de ter fugido num caixote para um instrumento musical, até porque a honra japonesa preferiria um harakiri.

Outro argumento que poderá levar ao chumbo do projeto é o de que o tempo para isto tudo já lá vai: completar a fusão, juntar recursos industriais e financeiros para aumentar a poupança, para depois investir num plano de lançamento de veículos e tecnologias com efeitos práticos cinco anos depois.

Hoje, no mundo da indústria automóvel, com os chineses ao volante, o tempo deixou de se medir em anos, mas em meses.

O que resta? Acho que tudo terminará numa série de projetos ad hoc (de automóveis e tecnologias de propulsão eletrificada) entre as duas ou as três marcas japonesas, mas duvido que se avance para uma fusão que nem iria salvaguardar os interesses do governo japonês (fechar fábricas e centros de I&D ajuda a criar sinergias, mas é péssimo para salvar empregos).

Se estiver errado, aqui estarei para o reconhecer já no final de junho, ainda que o resultado de decisão vá demorar mais tempo a avaliar. E desejar sorte a quem, nesse caso, tenha optado por um casamento ou união de facto em vez de uma simples amizade colorida…