Opinião E hoje já agradeceram ao motor de combustão?

Mobilidade

E hoje já agradeceram ao motor de combustão?

Desde que foi inventado que anunciam o seu fim. É quase ingratidão perante uma tecnologia que nos dá tanto. Falo do motor de combustão.

alan mulally, ex-ceo da ford, a dar beijo ao motor ecoboost
© Ford

Hoje assinala-se o Dia Internacional do Obrigado. Bem no início do ano, o que na minha opinião faz sentido.

Numa altura em que projetamos a nossa vida para os próximos 12 meses — de uma forma por vezes muito centrada em objetivos pessoais —, começar por agradecer o que passou e quem nos ajudou é um exercício que todos devíamos praticar.

Por isso, antes de irmos ao tema central deste texto, permitam-me agradecer a todos vós. Obrigado terem feito da Razão Automóvel, mais uma vez, líder de audiências em Portugal. É assim há cinco anos consecutivos.

Dito isto, há outro agradecimento que é devido: ao motor de combustão. Principalmente agora, numa altura em que — caso nada mude… — a sua morte na Europa está a pouco mais de uma década de distância.

Nikolaus August Otto
Nikolaus August Otto inventou o motor de quatro tempos (ciclo Otto) em 1876. Deveria estar longe de imaginar o profundo impacto que teria na sociedade. Foi uma das invenções que mudou o mundo

Obrigado motor de combustão

Vamos começar por aí. A forma como foi marcada no calendário a data do fim dos motores de combustão é injusta. Para a sociedade e para a própria tecnologia. Mas vamos por partes.

Em primeiro lugar, é de uma profunda ingratidão perante uma tecnologia que nos deu (e nos continua a dar) tanto. Por motivos que me escapam, parece que foi apontado como «inimigo público n.º 1» da sociedade.

No entanto, não exagero se afirmar que poucas invenções tiveram um impacto tão profundo e positivo na sociedade.

Uma tecnologia que, além do que nos tem oferecido, também tem sabido evoluir e reduzir as suas externalidades. O Renault Espace ou o Toyota Prius — mencionando apenas dois modelos com tecnologia híbrida que conduzi recentemente — são a prova disso mesmo.

Um dia, o tempo fará justiça ao automóvel e ao motor de combustão. Não me parece contudo que esse tempo seja agora. Agora o tempo é o de anunciar a «morte» daquela que é única alternativa de mobilidade para milhões de pessoas. Também por isso é injusto.

Legitimidade

Para quê acabar com o motor de combustão? E com que legitimidade? Nas várias vezes que fui chamado às urnas não me recordo de ter votado em algo similar. Nem eu nem a esmagadora maioria dos europeus. Há aqui — no mínimo… —, um problema de legitimidade democrática.

Depois de tudo o que o motor de combustão fez pela sociedade nos últimos 100 anos merecia, pelo menos, uma morte natural. Aquilo a que vamos assistir é uma morte decretada em Bruxelas. Sem necessidade e com consequências que ainda estamos para descobrir.

Sim, porque como qualquer outra tecnologia, também esta tem um prazo de validade. Mas não me parece que se esgote em 2035.

Tenho esta teimosia de acreditar na liberdade de escolha.

Estamos a apressar o calendário sem necessidade. Como já vimos no passado, um futuro livre revela-nos sempre caminhos melhores do que os impostos. Seja por via dos carros elétricos a bateria, elétricos a hidrogénio ou a combustão alimentados a combustíveis sintéticos.

Motor V6 Aston Martin

Há bons indícios nesse sentido. Os carros elétricos abaixo dos 25 mil euros estão aí ao virar da esquina e tantas outras tecnologias que ainda desconhecemos poderão chegar num futuro próximo. Por todos estes motivos, era escusado marcar uma data no calendário.

Digo isto sabendo que o meu próximo carro deverá ser 100% elétrico — sim, estou longe de ser um fundamentalista dos motores de combustão. Até porque, olhando às minhas necessidades, um elétrico a bateria é a tecnologia que faz mais sentido. Mas não tem de ser assim para toda a gente — e não é assim para toda a gente.

Por isso mesmo, acredito que devemos salvaguardar algo tão mais importante: o direito à mobilidade individual na Europa. No final do dia, é disto que estamos a falar. Da mobilidade e da liberdade de 500 milhões de europeus.

Por tudo isto e muito mais, obrigado motor de combustão.