Opinião O mundo automóvel, tal como o conhecemos, acabou

Adeus «velhos tempos»

O mundo automóvel, tal como o conhecemos, acabou

A digitalização e a conectividade apoderaram-se de tudo o que era mais apaixonante do mundo automóvel. O analógico morreu, viva o digital?

Volkswagen R32 3/4 frente
© Volkswagen

Correndo o risco de me transformar instantaneamente num dos velhotes que aprecia da melhor forma o seu jogo de sueca nas mesas de um parque urbano, sou obrigado a constatar que o mundo automóvel já não é o que era.

Olhando para o panorama atual, do que vende no mercado aos novos modelos que vão surgindo, começou a chegar à conclusão de que o futuro não será nada daquilo que imaginei.

Não nego que o automóvel foi sempre um objeto de consumo, mas parece que agora deixou de ser o objeto de paixão e de culto com que cresci.

Passou a ser mais um gadget para mostrar aos amigos ou ao vizinho. Parece estar a ser desenvolvido para não ferir suscetibilidades e para agradar ao maior número de clientes do mundo automóvel. Ou melhor, agradar aos gestores de frota.

Mais do que a elegância, o conforto, a potência e o desempenho dinâmico, as prioridades atuais do mundo automóvel estão mais viradas para o conseguir num formato que sirva para tudo. É claro que terá de ser elétrico, isso está mais do que garantido, nem que seja pela imposição dos regulamentos.

Idealmente, um novo modelo será «alimentado» por uma única pilha AAA. E esta terá de garantir energia suficiente para um SUV de três toneladas percorrer cinco mil quilómetros. Sendo que este será o carro de sonho para a grande maioria dos consumidores do mundo automóvel num futuro que está mais próximo do que conseguimos imaginar.

E também não nos podemos esquecer de que parece faltar cada vez menos tempo para aquele momento em que vamos mesmo deixar de conduzir. Estamos cada vez mais próximos de sermos apenas passageiros num automóvel que se conduz autonomamente até um destino previamente selecionado na nossa agenda.

Apenas o que precisamos e não o que gostamos

Os objetos belos, de culto e de paixão que ainda existem são estupidamente caros. E o que podemos equacionar adquirir é uma solução de recurso e o mais «racional» possível. No mundo automóvel, atualmente, já só temos «autorização» para ponderar apenas o que precisamos e não o que gostamos.

Para a carroçaria, vão existir 50 tons de cinzento — não esses que pode estar a pensar, refiro-me mesmo aos mais «aborrecidos». No habitáculo, vamos encontrar componentes que são cada vez mais iguais entre 100 outros modelos, com mais ou menos anos.

E tudo, sem qualquer arrojo conceptual, apenas a preocupação em fazer diferente por ser diferente, mas acabando por fazer algo que é quase igual ao que já vimos antes.

No mundo automóvel de hoje e amanhã, até mesmo os nomes dos carros deixaram de ter piada. As reuniões bastantes extensas para chegar a um novo nome para um automóvel, geram hoje apenas números ou letras, a maioria dificilmente compreensíveis ou memoráveis.

E os poucos nomes que vão surgindo são de gerações passadas na tentativa vã de recuperar o sentimento ou a paixão perdida.

A magia acabou. O fascínio acabou. A paixão acabou. Hoje, tudo se resume a números, sejam eles quais forem.

Eu sempre acreditei que a constante evolução do mundo automóvel traria sempre algo melhor no horizonte. Mas não. No horizonte parece estar apenas algo que “cumpre”, mas não “fascine”. Será apenas algo mais, mas nada de mais.

Aquele mundo automóvel mais apaixonante e que nos fazia sonhar, parece ter acabado. Mas por favor, agora provem-me que estou errado…