Opinião Fim dos motores de combustão será adiado na Europa?

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Fim dos motores de combustão será adiado na Europa?

A Europa insiste em eliminar os motores de combustão até 2035, apesar dos sinais globais de recuo e da estagnação das vendas no mercado europeu.

Zenvo V12 motor
© Zenvo

O masoquismo europeu não tem paralelo. A Europa é a única região do planeta que planeia eliminar totalmente os motores de combustão num prazo inferior a 10 anos.

Ainda antes do regresso de Donald Trump ao poder, os EUA rejeitaram uma proibição total de motores de combustão antes de 2035, tal como a China, o maior mercado automóvel do mundo. As restantes regiões da Ásia, África e América do Sul estão recetivas a novas tecnologias no que diz respeito a reduzir as emissões de CO2, mas sem decretarem a morte dos motores de combustão.

A irrealista e apressada transição para a mobilidade elétrica na Europa está a implodir. Todos os países (à exceção da Noruega) estão longe das quotas das etapas intermediárias até à meta de 2035 — o ponto final definido para a carreira dos motores de combustão.

Toyota, Mazda e Subaru juntas para salvar motor de combustão 8
© Toyota A Toyota já mostrou o seu próximo motor de combustão a gasolina — G20E — que deverá chegar em 2027. Ao mesmo tempo vai lançar uma ofensiva de modelos 100% elétricos.

Um pouco de bom senso teria sido suficiente para perceber que, esgotando-se os early adopters e os consumidores com um elevado poder de compra, as vendas de elétricos iriam estagnar — dito de forma simplista: são muito caros e não têm autonomia suficiente.

O fim dos incentivos à compra só agravou este cenário, com o mercado alemão a provocar o maior estrago. Daqui resultou uma redução de 1,5% nas matrículas de carros elétricos em 2024 que, não sendo um trambolhão, foi um sinal preocupante e em sentido contrário ao esperado. E apesar dos primeiros meses bastante positivos de 2025, a quota dos elétricos no total ainda está muito abaixo do exigido.

Como consequência, várias marcas já recuaram nas promessas e alargaram a esperança de vida dos seus motores a gasolina. A Volvo, que tinha anunciado o final da produção de motores de combustão em 2030, ou a Ford são apenas dois de muitos exemplos.

Perspetiva global

Ampliando o foco para uma perspetiva global, vemos que a Toyota reviu em baixa o seu objetivo de vendas de elétricos para 2026, de 1,5 milhões para um milhão. Ainda assim, altamente duvidoso considerando que, em 2024, foram apenas 104 000 (ou 1% do total de automóveis que vendeu no planeta).

Esta realidade obriga os construtores a manter equipas dedicadas ao desenvolvimento de múltiplos tipos de motorização e fontes de energia. Algo que poderá fazer disparar as faturas de I&D (investigação e desenvolvimento) em muitos milhares de milhões, seja de que moeda for.

Volkswagen Gold na linha de produção, com bandeira chinesa a cobrir a imagem
Indústria

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O setor dos componentes de automóveis na Europa está sob pressão da China. Os representantes do setor estão confiantes mas pedem respostas.

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O facto de os três mercados mundiais — China, EUA e Europa — representarem três quartos dos 90 milhões de automóveis novos vendidos globalmente, ao mesmo tempo que extremam posições e erguem barreiras comerciais entre si, torna a atividade muito mais difícil para todos os atores.

Aumentam os custos, diminuem as receitas. As marcas europeias — sobretudo as premium — deixaram, por outro lado, de ter a almofada de conforto que era o mercado chinês, onde venderam e lucraram milhões a perder de vista durante mais de duas décadas.

Pneus Continental para carros elétricos

Tudo porque o consumidor local mudou as suas prioridades e passou a preferir orgulhar-se dos veículos domésticos elétricos, ajudados pela sua superioridade tecnológica que, historicamente, sempre tinha estado do lado ocidental.

Metas definidas, mas sem soluções

Outro fator que aponta para o provável adiamento do fim dos motores a gasolina daqui a menos de 10 anos tem a ver com a manifestamente insuficiente estrutura de carregamento. Aumentam as autonomias dos carros elétricos e crescem as suas potências de carga, mas falta onde os «abastecer». Entre 2017 e 2024, as vendas de elétricos na Europa multiplicaram-se por 20 e os carregadores apenas por seis.

As palavras de Oliver Zipse, diretor-executivo da BMW, são merecedoras de atenção, quando critica os requisitos rigorosos da União Europeia: “Os sistemas regulamentares que ignoram as necessidades dos clientes e a realidade do mercado, enquanto falham na criação da infraestrutura necessária para tecnologias alternativas, não podem ser bem-sucedidos. Apenas fornecem metas, mas abstêm-se de avançar qualquer tipo de solução.”

Contudo, os políticos em Bruxelas não querem perder a face perante uma larga franja de eleitores e dos partidos ambientalistas, garantindo que em 2035 vamos todos conduzir automóveis que não emitem fumos — parecendo ignorar o perigo do colapso da indústria automóvel europeia e como isso iria fazer disparar as taxas de desemprego para níveis historicamente elevados.

Linha de produção Mangualde
© Stellantis Linha de produção na fábrica da Stellantis em. Mangualde

Claro que é muito mais fácil prometer em 2025 do que cumprir a 31 de dezembro de 2034 e há indicadores que apontam para a ideia de que as notícias sobre a morte do motor a gasolina são amplamente exageradas.

É claro que acabará por acontecer, mas tal como a implementação dos níveis de emissões CO2 mais exigentes foi adiada — de 2025 para 2027 —, muito me surpreenderá se algo similar não acontecer à perversa data de 2035.