Opinião Pelo direito a ter carro velho em Portugal

Mobilidade

Pelo direito a ter carro velho em Portugal

Sempre que se fala em alterações fiscais os portugueses desconfiam. E quanto tocam nos automóveis a matéria é ainda mais sensível, porque não é um luxo, muitas vezes é uma ferramenta de trabalho.

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© Renault

A ACAP (Associação Automóvel de Portugal) vai propor ao próximo Governo uma reforma fiscal que prevê a eliminação progressiva do ISV até 2030, compensada por um aumento gradual do IUC.

O objetivo é claro: tornar os carros novos mais acessíveis e promover a renovação do parque automóvel nacional. Uma medida louvável, mas que exige cautela na sua implementação.​

A previsibilidade fiscal é essencial. Embora a retroatividade fiscal seja proibida por lei, alterações repentinas no IUC podem desestabilizar o orçamento das famílias. Em 2023, a proposta de aumento do IUC para carros anteriores a julho de 2007 gerou forte contestação, com uma petição que reuniu mais de 200 mil assinaturas e manifestações em várias cidades. ​

Para muitos portugueses, o automóvel não é um luxo, mas uma necessidade. É uma ferramenta de trabalho, especialmente em áreas onde o transporte público é insuficiente. É a diferença entre ir trabalhar ou não ter trabalho.

Autoestrada com filas de trânsito
© Razão Automóvel A idade média dos carros em Portugal ultrapassou os 14 anos em 2024, com cerca de 1,6 milhões de veículos com mais de 20 anos em circulação. Este envelhecimento do parque automóvel reflete as dificuldades económicas das famílias.

Programas de incentivo ao abate, como os que existiram até 2010, já demonstraram ser eficazes na renovação do parque automóvel. A ACAP propõe um novo programa de incentivo ao abate, com apoio até 5000 euros para quem adquirir um veículo 100% elétrico.

​A transição para uma mobilidade mais sustentável é necessária, mas deve ser inclusiva. Incentivar a troca por carros mais recentes, sejam novos ou usados, elétricos ou a combustão, deve ser a prioridade. Por isso, limitar os incentivos apenas aos elétricos é contraproducente.

Sobretudo porque a mobilidade individual deve ser encarada como um direito. E as políticas públicas devem equilibrar os objetivos ambientais com a justiça social, evitando penalizar quem depende do seu «carro velhote» para viver e trabalhar. Num país justo isso não acontece, porque ter carro particular não é um luxo.