Opinião Mesmo assim tudo corre bem no país que importa

Editorial

Mesmo assim tudo corre bem no país que importa

Longe das luzes do palco mediático, ainda resta sentido de Estado aos nossos governantes? É um capital que o país não pode perder.

Autoeuropa
© Autoeuropa

Apesar da instabilidade política, Portugal continua a importar — seja qual for o significado que queiramos dar à palavra. Continuamos a importar e a ter importância.

Esta semana tivemos mais uma prova dessa relevância. A Volkswagen Autoeuropa garantiu a produção do seu primeiro 100% elétrico. E não nos deixemos iludir, não faltavam alternativas à marca alemã — nomeadamente no leste europeu.

Continuando no campo das boas notícias, a gigante chinesa CALB escolheu recentemente Sines para instalar uma mega fábrica de baterias. Será o maior investimento privado de sempre em solo nacional, superando outro com quase 35 anos… a Autoeuropa.

É notável como Portugal conseguiu garantir estes investimentos, em 2025, apesar da instabilidade política de três Governos, três eleições, em três anos. Só há uma resposta possível: nos bastidores da política portuguesa, a diplomacia económica continua a funcionar e os partidos continuam a conseguir dialogar. De forma moderada, calma e pouco mediática como deve ser, por definição, a boa diplomacia.

Bem sei que estas vitórias à porta fechada não fazem boas manchetes nem garantem votos, mas este é um capital que o país e os partidos não podem perder: a capacidade de chegar a consenso.

Há uns anos, nas páginas do Semanário Sol, António Neto da Silva, Secretário de Estado do Comércio Externo do 2.º Governo de Aníbal Cavaco Silva, recordou a importância desses momentos, onde o interesse nacional fala mais alto.

Faltavam poucos meses para as eleições legislativas e o Governo necessitava do apoio do PS, principal partido da oposição, para garantir o projeto da Autoeuropa. Havia muita pressão do Governo espanhol para levar a Autoeuropa para o outro lado da fronteira. Era fundamental que Jorge Sampaio, à época secretário-geral do Partido Socialista, apoiasse o projeto da fábrica de automóveis em Palmela.

Autoeuropa vista de cima
© Volkswagen Autoeuropa Volkswagen Autoeuropa, em Palmela

“Fui observando uma alegria crescente nos olhos de Jorge Sampaio à medida que confirmava a extraordinária importância para Portugal do investimento de três mil milhões de dólares da Ford e da Volkswagen, que viria a dar origem à Autoeuropa. Claro que a conclusão com êxito das negociações viria a dar uma enorme vantagem eleitoral para o PSD”, escreveu.

“Qualquer político da classe política comum procuraria eventualmente criar dificuldades (…). Jorge Sampaio, disse de forma clara: «Este projeto e a conclusão com sucesso desta negociação são fundamentais para Portugal. O PS apoia-vos incondicionalmente»”, recordou António Neto da Silva num artigo do Semanário Sol em 2021 — que pode ser lido na íntegra aqui.

Acredito — apesar dos acontecimentos das últimas semanas — que, nos corredores do poder, quando se desligam as câmaras e se silenciam os microfones, o sentido de Estado continua a prevalecer como prevaleceu há 35 anos. É importante que o país continue a importar.