Primeiro Contacto A fundo no Ford Fiesta ST pelas estradas de Monte Carlo

Ao volante

A fundo no Ford Fiesta ST pelas estradas de Monte Carlo

Ao volante do anterior Ford Fiesta ST vivi alguns dos melhores momentos de condução, em carros de 200 cv e tração à frente. A nova geração promete mais e melhor, mas… com um motor de três cilindros?! As estradas do rali de Monte Carlo serviram para tirar as dúvidas.

Ford Fiesta ST

Ao longo de mais de um século de existência, o rali de Monte Carlo já deve ter usado quase todas as estradas dos Alpes Marítimos, a norte de Nice. Estreitas e rodeadas de rochas, ou de precipícios de que não se vê o fundo, alternam entre o muito rápido e os ganchos.

A Ford, que faz gala em convidar os jornalistas a guiar os seus novos modelos em traçados exigentes — um dos responsáveis pela escolha dos percursos dizia-me, há uns anos, que só considerava um trajeto bom se pelo menos um jornalista enjoasse — não fez a coisa por menos e levou o novo Ford Fiesta ST para a famosa Route Napoleon e para algumas das départementales mais enredadas da região.

O dia prometia…

Ford Fiesta ST 2018
Com céu limpo e uma manhã inteira para guiar o Fiesta ST, não havia desculpas para não trazer de lá umas boas conclusões.

Claro que a grande dúvida era saber se o novo motor 1.5 Ecoboost de três cilindros estava à altura das pretensões do Ford Fiesta ST. Diminuir o peso em 15 kg na frente foi tão importante como diminuir os custos de produção na linha de montagem. Como bónus, mantiveram os 500 cm3 por cilindro, considerada a cilindrada unitária ótima, em termos de combustão.

Turbocompressor RAXX da Continental
Um dos truques deste motor é a utilização de um turbocompressor RAXX da Continental, que tem as lâminas da turbina em forma de colher, para maximizar a força dos gases de escape, capazes de uma pressão de 1,6 bar.

A potência máxima é de 200 cv, tal como no último 1.6 Ecoboost de quatro cilindros. O binário máximo é de 290 Nm, entre as 1600 e as 4000 rpm.

A utilização de injeção direta e indireta permite que tudo isto não descambe em consumos estratosféricos quando se guia depressa, tal como a desativação de um dos três cilindros, quando se circula com pouca pressão no acelerador. O cilindro do meio demora apenas 14 milésimos de segundo para voltar a funcionar — não se nota nada — e dá algum crédito ao anúncio de 6,0 l/100 km em condução tranquila.

Ford Fiesta ST 2018 motor
Na prática, o motor quase não tem tempo de resposta a baixos regimes e depois entra com vontade pelo red-line dentro, até ao corte nas 6500 rpm.

Para ajudar qualquer condutor a confirmar os 0-100 km/h em 6,5s, o Fiesta ST até tem um Launch Control, o que não é comum quando a única caixa de velocidades disponível é uma manual de seis, que está bem escalonada e tem aquele tato preciso e suave que a Ford sabe fazer tão bem.

Dialogar com o eixo dianteiro do Ford Fiesta ST

Outra especialidade da marca é a direção, que no novo Fiesta ST tem um rácio de 12:1, sendo 14% mais direta que a do anterior modelo. É mais um exemplo de como se consegue fazer uma direção capaz de colocar as mãos em diálogo íntimo com as rodas da frente, sem prejuízo da facilidade de operação.

Só a mania de cortar a base do volante é que me deixa ligeiramente irritado…

Outra das novidades do Fiesta ST é o botão dos modos de condução, para escolher entre três posições: Normal, Sport e Track, que mexem na assistência da direção, no ESC, no mapeamento do acelerador e no som, que é uma mistura da ação de uma válvula no escape e de um sintetizador que emite ruído pelos altifalantes. É falso, eu sei. Mas tenho de admitir que soa bem.

A diferença entre os três modos não é de quilómetros, por isso preferi escolher o Track e desligar o ESC no botão do lado, que também tem um modo intermédio. É a melhor combinação, até porque a suspensão não é afetada. Em vez de usar dispendiosos amortecedores adaptativos, a Ford montou uns Tenneco sensíveis à frequência.

Sobre oscilações de alta frequência, típicas do mau piso ou de autoestradas com tapete ondulado, a válvula RC1 abre mais, diminui o amortecimento e melhora o conforto. Em solicitações de baixa frequência, típica de estradas de bom piso e/ou de pista, a tal válvula fecha um pouco mais e o amortecimento aumenta, preparando o Fiesta ST para uma condução de ataque, com maior controlo da carroçaria que, a propósito, é 14% mais rígida à torção que a dos outros Fiesta, graças a reforços colocados sob o piso.

Ford Fiesta ST 2018
Raro nos dias de hoje: hot hatch de três portas. O Fiesta ST está também disponível com carroçaria de cinco portas

Leo Roeks, o diretor da Ford Performance na Europa diz que demoraram o triplo do tempo normal a desenvolver a suspensão deste novo Fiesta ST. Mas não foi só por causa dos amortecedores que os homens sediados no centro de testes de Lommel, fizeram mais voltas que o normal à famosa Track 7 do complexo de testes Belga.

O segredo do eixo traseiro

As molas da suspensão traseira também têm “segredo”. O marketing da Ford chama-lhes Force Vectoring, Roeks chama-lhes o que elas são: molas em forma de banana.

Ao contrário das molas normais, que acabam por ceder ao esforço lateral e deixar os eixos semi-rígidos traseiros rodar em torno da vertical (obrigando a montar casquilhos mais duros e a perder em conforto) a geometria destas molas induz o movimento oposto, permitindo amolecer os casquilhos. Para não perder precisão em tudo isto, o eixo traseiro é o mais rígido da gama Ford, sendo preciso aplicar-lhe 1400 Nm para ele torcer um grau.

Em termos relativos, o Fiesta ST tem a suspensão 10 mm mais baixa que um ST-Line e tem vias 10 mm mais largas. Face ao anterior Fiesta ST, é 48 mm mais largo.

Autoblocante a sério

Mas a grande novidade é mesmo o diferencial autoblocante Quaife ATB. É um autoblocante a sério, mecânico. Também há a habitual vetorização de binário, que trava a roda motriz com menor tração, a velocidades baixas. Mas a transição entre um e outro foi tão bem afinada que não se nota.

O que se nota, à saída da primeira curva lenta, de prego a fundo, é que o Quaife não deixa perder nada pela roda interior.

Todos os 290 Nm vão parar ao chão, fazendo o Fiesta ST avançar com decisão e sem nenhuma torção parasita na direção. Aliás, os cubos da suspensão dianteira também têm aqui responsabilidades.

Com todas as peças do puzzle identificadas, só faltava ver a imagem final. A primeira conclusão vem do conforto, muito melhor do que no Fiesta ST anterior, que fazia sofrer um pouco os ocupantes.

As sensações

O novo modelo pisa de uma forma muito composta, não se deixa incomodar pelas estradas estragadas, processa-as sem perder o contacto com o alcatrão. Os bancos Recaro também dão uma ajuda, pelo perfeito equilíbrio entre conforto e sustentação lateral. O volante e o punho da caixa estão a pouco mais de um palmo de distância e o monitor tátil central é muito fácil de usar. A vontade de guiar depressa é imediata, o motor leva cada uma das sucessivas mudanças ao limitador, a frente entra em curva com clareza, não há surpresas, o condutor sabe a todo o momento o que vai acontecer às rodas dianteiras, mesmo quando exagera e sai de frente.

Em encadeados muito rápidos, quando o relevo da estrada tira o asfalto debaixo das rodas interiores, o Fiesta ST mantém uma estabilidade da traseira que dá imensa confiança.

A traseira é claramente mais “agarrada” ao solo que no modelo anterior, e isso nota-se também nas curvas lentas, quando se decide travar tarde, já em apoio, tentando provocar uma deriva de traseira que não chega com tanta facilidade como no anterior Fiesta ST. A verdade é que, se no anterior modelo isso era preciso, para alinhar a frente o mais cedo possível com a saída e não perder tração, com o autoblocante esse problema está resolvido de duas maneiras. Pela excelente tração à saída e, antes disso, pelo papel que o Quaife faz em retenção, quando se desacelera, antes de travar, fazendo rodar o carro apenas o necessário para assegurar uma trajetória limpa, que os Michelin Pilot Sport na medida opcional 205/40 R18, feitos para o Ford Fiesta ST, não têm dificuldades em seguir.

Ford Fiesta ST 2018

Travões insuficientes

Após alguns quilómetros, lembro-me de ter sido precisamente nestas estradas que testei pela primeira vez o Peugeot 208 GTI e rebobino as impressões de condução desse dia. O 208 impressionou pela facilidade de ser guiado depressa, pela versatilidade e pela leveza. Mas, passados estes anos, o novo Ford Fiesta ST está num patamar superior, como é lógico.

Pensava nisto enquanto a estrada começava a descer para Nice e despachava mais um gancho, infelizmente sem a colaboração do travão de mão, que não se presta a números de condução “à rali”.

Entretanto, o pedal de travão começava a dar indícios de ter aumentado uns milímetros no curso e de já não ter a potência da manhã, quando acontece aquilo de que ninguém gosta: na travagem para uma direita fechada, meto o pé ao travão e no mesmo instante percebo que não vou conseguir tocar no vértice da curva, os travões pura e simplesmente perderam força e a frente atravessa a estrada. Peço ajuda ao travão de mão enquanto rodo mais o volante e acabo por evitar o obstáculo do outro lado da estrada por milímetros. Abrando de imediato o ritmo, mas os travões não recuperam, os discos (278mm, ventilados à frente e 253 mm, sólidos atrás) fazem um ruído cavernoso e o pedal continua a ir mais abaixo do que devia. É verdade que a manhã foi de condução rápida, mas está aqui um aspeto em que a marca podia melhorar o desempenho do Ford Fiesta ST.

Ford Fiesta ST 2018

Considerações finais

Apesar de esta geração do Fiesta não ser mais do que um super-restyling da anterior, mantendo a mesma plataforma, a verdade é que a versão ST melhorou em pontos chave como a tração, a estabilidade, o conforto e o controlo, não esquecendo que o autoblocante Quaife, o Launch Control e as “shift lights” formam o Pack Performance opcional, que deverá andar à volta de 2000 euros.

Não se perdeu nada por ter passado a um motor de três cilindros, até ganhou 10% em consumos, segundo a Ford. As evoluções nas molas e amortecedores são eficientes e inteligentes, mas a travagem não mostrou resistência suficiente a uma manhã passada a andar a fundo nas estradas do Montecarlo.

Ford Fiesta ST

A fundo no Ford Fiesta ST pelas estradas de Monte Carlo

Primeiras impressões

8/10
Motor de três cilindros tem força e carácter, suspensão com amortecedores e molas inovadoras é eficiente e confortável, qualidade interior muito melhor que na geração anterior e excelente posição de condução, com bancos Recaro confortáveis e com apoio. A resistência dos travões à fadiga, em condução desportiva, é um ponto a rever.

Data de comercialização: Agosto 2018

Prós

  • Motor elástico a baixos regimes e poderoso, nos altos
  • Comportamento ficou mais eficaz e previsível
  • Autoblocante faz muito bem o seu papel

Contras

  • Resistência da travagem em uso intenso
  • Autoblocante opcional (cerca de 2000 euros)
  • Botão dos modos de condução entre os bancos